A colheita e extração da castanha de caju na comunidade carrega uma imensa sabedoria histórica, mas precisava de uma parceria disposta a desenvolver ainda mais o território.
Carol e Alessandro embarcaram, e reabriram a antiga fábrica local para beneficiar a castanha através da marca Matury Cajucultura.
"Assim que conhecemos a comunidade, fomos abraçados por ela. Todos foram muito generosos e mostraram o dia-a-dia no campo, o beneficiamento, o comércio… E vimos todo o potencial do fruto."
Carolina Sciotti, sócia da Matury Cajucultura.
Quando olha pro futuro, Carol enxerga a região usar sua relação com o caju para impulsionar o turismo.
As narrativas reais de quem vive a produção da semente à castanha podem atrair turistas em busca de experiências valiosas.
Assim, é possível gerar mais renda e qualidade de vida pras famílias locais.
Uma pousada já começou a funcionar pelas mãos de Carol e Alessandro, agora com a presença dos filhos do casal, Gaspar (4) e Martim (2).
"Eles já nasceram no meio do cajueiro!", diz a empresária, que sonha com mais apoio local.
Sugestão de consumo: cajuzinho original com melaço de caju
O Comida com História faz parte de uma cadeia que valoriza quem carrega nossas tradições gastronômicas, pratica a sustentabilidade e traz nutrição pra nossa mesa.
Dá play nesse vídeo para conhecer quem faz essa revista:
e tem mais histórias nesta edição:
- Casa dos Licores leva uma tradição familiar para a produção da bebida típica.
- O doce que chegou com as caravelas: doceira cearense redescobre os fartes, doce de origem portuguesa.
- Conheça os roteiros gastronômicos criados pelas marisqueiras da Comunidade Quilombola do Cumbe.
- Com pesquisa e com afeto: um laboratório cearense fomenta estudos com produtos da cultura alimentar.
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O costume da degustação começou com Terezinha, que levava para sentar-se à mesa da sala quem chegasse para comprar licores.
Ali sentado, o visitante perguntava “Qual eu vou gostar?” e, prontamente, ela respondia “O jeito é você provar”.
Esse hábito deu origem à atividade mais famosa da casa, a degustação, que atrai turistas de todo o Brasil que desejam conhecer os licores mais cheios de história do país.
A trajetória da Casa dos Licores começou na década de 1940 com a construção da casa pelo marido de Terezinha, Alfredo Miranda.
Além de ser a residência do casal, nela ele desenvolvia seu ofício de destilador de cachaça.
Naquela época, era comum servir licor para as visitas, uma cultura que veio junto com os portugueses colonizadores.
Tanto a tarefa de servir como a de fazer a bebida eram femininas. Com o adoecimento do marido, Terezinha não viu outra opção a não ser sustentar a família fazendo licores com as cachaças produzidas e armazenadas por ele.
Foi quando começou a fama de “naquela casa se vende licor”, que depois virou “aquela é a casa dos licores”.
O trabalho totalmente artesanal usando frutas e ervas do quintal foi mantido por Terezinha até quando ela teve saúde.
Por ter sido a filha que nunca saiu de Viçosa para estudar, Tereza Cristina absorveu por completo os ensinamentos da mãe, e manteve a produção em fornalhas de madeira e a escrita à mão nos rótulos, mas incrementou a oferta de sabores.
“Quero chegar a cem sabores”, diz ela, confiante em sua sabedoria como uma bióloga curiosa por aprender sobre novas plantas.
Isso, acredita, puxou de seu pai, que era um autodidata.
E era com esse conhecimento que testava novos sabores de licores.
Enquanto sua mãe Terezinha fazia os tradicionais com jenipapo, tangerina, abacaxi e maracujá, seu pai, já curado da tuberculose, inovava com frutas silvestres.
Como ele, a filha também pegou gosto pela criação. Os testes que ela fez com licor de acerola rendem um relato divertido sobre o gosto inicial: “Parecia desinfetante”, descreve.
Mas ao esquecer o licor guardado por dois anos e prová-lo depois, veio a surpresa: “parecia um vinho do Porto”.
Os sabores únicos alcançados por Tereza Cristina podem ser apreciados nos licores, mas também nas geleias, doces de frutas e de leite, biscoitos e bolos feitos com goma de Viçosa, todos disponíveis na Casa dos Licores.
Por mais que a empresa familiar tenha se tornado um negócio, ele nunca perdeu suas características artesanais.
Atualmente, apenas três doceiros produzem a iguaria sob encomenda.
Tomázia, Rita e José Roberto são os guardiões do saber-fazer dos fartes. Enquanto Rita usa farinha de trigo e amêndoa como as sinhás faziam, Tomázia e José Roberto fazem os fartes com farinha de mandioca e castanha de caju.
Isso porque a receita deles veio das ajudantes das sinhás, que eram descendentes de escravos alforrados, e adaptavam a receita original com ingredientes locais.
Sobral é conhecida como “Princesa de Norte”, e ainda é a cidade mais importante do Norte do Ceará.
No período colonial, tudo o que vinha da Europa entrava no estado pelo Porto de Camocim, e passava por Sobral antes de chegar à capital Fortaleza.
Com isso, Sobral acabou se tornando um importante centro cultural e casa de nobres, que mantinham o costume de servir os doces da terra de origem em ocasiões festivas.
Apesar da receita dos fartes não ser segredo, o sucesso está no uso de ingredientes corretos.
Ana Cristina aprendeu com Tomázia que a farinha de mandioca usada não pode ser industrializada. “Tem que ser farinha de mandioca artesanal porque a goma dá liga à receita”, explica.
Outro segredo está no gengibre, que deve ser o medicinal, mais murcho do que o que encontramos no mercado.
Tomázia, por sua vez, aprendeu a fazer o doce com sua tia Rita de Cássia Cunha, de 87 anos. Dona Rita (à esquerda na foto abaixo ao lado de Tomázia) foi reconhecida como Mestra Doceira em 2018 por ser guardiã da tradição alimentar dos fartes.
O modo de fazer artesanal do doce foi transmitido a ela em 1980 por sua madrinha Semíramis Nascimento, descendente de ajudante de cozinha na época das sinhás.
A iniciativa da Secretaria de Cultura do Ceará em oferecer títulos aos cidadãos que mantêm vivos os saberes e fazeres populares ajuda a valorizar a cultura local e preservar os conhecimentos para as gerações futuras.
Vivenciar os sabores que a natureza oferta sempre fez parte da vida de Luciana dos Santos.
Marisqueira nascida e criada na Comunidade Quilombola do Cumbe, região litorânea de Aracati, no Ceará, ela sempre teve uma ligação muito forte com seu território. É essa ligação que apresenta aos turistas que visitam a comunidade.
Eles vão até lá para experimentar o tempero do mangue.
Há mais de sete anos, ela e outras nove famílias do quilombo oferecem três roteiros gastronômicos que replicam o dia a dia dos habitantes locais: Cumê no mato, Cumê na praia e Cumê nas casas.
No vídeo abaixo você pode conhecer melhor um desses roteiros:
São experiências de turismo comunitário que possibilitam a apreciação de pratos feitos com produtos locais como sururu, ostra, peixes e búzios.
Assim os turistas compreendem como é a vida em uma comunidade quilombola que depende da pesca.
Para agregar valor aos produtos locais e valorizar as mulheres por trás do trabalho árduo de marisqueira, no ano passado Luciana participou do Laboratório de Criação da Escola de Gastronomia Social, em Fortaleza.
A pesquisa que fez aprofundou ainda mais o conhecimento que tem a respeito das terras do Cumbe, e a dependência da comunidade nos insumos do território se tornou ainda mais evidente.
O Quilombo do Cumbe tem aproximadamente 150 famílias que sempre viveram da pesca e mariscagem.
A proximidade com o mar, o rio e o mangue possibilitam que essas atividades sejam fonte de vivência e sobrevivência para elas. O que colocam na mesa de suas casas é também o que vendem.
Entretanto, a realidade de quem vive da pesca não é a mesma de alguns anos atrás.
Desde que tanques para a criação de camarões foram construídos e uma usina eólica foi implantada, a paz dos quilombolas e sua fonte de sustento têm sofrido ameaças.
Luciana relata que os insumos químicos adicionados aos tanques de camarões entram no lençol freático atingindo o mangue.
“Mais de 10 quilômetros de mangue estão mortos”, fala.
Já a usina eólica cercou parte do território, deixando pescadores e suas famílias inconformados por terem que mudar a forma de viver e lidar com ele.
Por isso a criação da Associação Quilombola do Cumbe veio fortalecer a luta e resistência pelo território de pesca.
“Hoje estamos cercados, queremos o território livre”, reforça Luciana.
Ela faz parte do conselho fiscal da diretoria da associação e diz que as limitações de ir e vir e a redução de moluscos obrigaram muitas pessoas da comunidade a procurar outras fontes de renda.
Mas há famílias que como Luciana resistem.
Em Fortaleza, no Ceará, isso é feito desde 2018 dentro do Laboratório de Criação, na Escola de Gastronomia Social Ivens Dias Branco. É um espaço onde pesquisadores selecionados por um edital são orientados em busca de soluções para valorizar a cultura alimentar.
Nessa jornada, eles buscam alimentos ancestrais, desenvolvem caminhos para que ele se torne um novo produto e gere renda para comunidades tradicionais.
Todo ano são selecionados 4 pesquisadores e os estudos levam de 3 a 7 meses. Lina Luz Cavalcanti, coordenadora geral do Laboratório, destaca que é primordial a pesquisa ter como foco o desenvolvimento territorial e comunitário.
“O pesquisador precisa se voltar para a comunidade, ter compromisso com a identidade do povo cearense. Os produtos trabalhados são gerados na comunidade, comprados de cooperativas."
Lina Luz Cavalcanti, coordenadora geral do Laboratório.
Ela nasceu e cresceu em Pedra Branca, cidade que já foi ícone na produção de cana-de-açúcar, mas hoje perdeu a tradição.
Rafaela se determinou a recolher essas histórias, resgatar a tradição do melaço e transformar num produto novo para reafirmar o espaço da confeitaria no Ceará.
O resultado desse estudo foi o Leite de Pedra, um doce de coco com melaço de engenho que virou negócio e hoje ajuda a desenvolver uma comunidade inteira produtora de cana-de-açúcar.
A pesquisa de Rafaela é só uma das tantas histórias que já deixaram sua marca no Laboratório de Criação.
"Em torno de um produto ou de uma cultura você pode desenvolver um território inteiro: as pessoas se empregam, estudam, se valorizam, se sentem únicas por causa de um único produto."
Lina Luz Cavalcanti, coordenadora do Laboratório.
Com o apoio da diretora da Escola, Selene Pena Forte, as pesquisas do Laboratório não pararam na pandemia e já estão em sua quarta edição. Coleciona resultados de sucesso e muito impacto positivo em comunidades tradicionais do Ceará.
Florestas ameaçadas!
Aqui você aprende sobre a produção de alimentos no Brasil. Mas também compartilhamos assuntos relevantes relacionados à cadeia alimentar. Portanto, leia esse artigo que revela como a demanda global por açaí está destruindo as florestas de várzea da Amazônia e entenda a relação entre consumo e sustentabilidade.
Quem aí curte uma receita nova?
Se ela for feita com frutos do Cerrado, que é o segundo maior bioma da América do Sul, melhor ainda, não é mesmo? Então confira o livro de receitas elaborado pelo projeto Pitadas do Cerrado, que vem estudando esse bioma há quatro anos, e desenvolvendo atividades para sua valorização.
Atenção: novo curso disponível
As inscrições para o XI Curso de Plantas Alimentícias do Pantanal e Cerrado já estão abertas e podem ser feitas até o dia 17 de outubro. As aulas serão ministradas pelo YouTube nos dias 23 de outubro e 13 de novembro. Interessados podem se inscrever clicando aqui.
Aromas e sabores baianos
De 15 a 31 de outubro a Bahia vai estar com aquele perfume de comida boa no ar. Isso porque acontece o primeiro Festival Gastronômico de Morro de São Paulo & Boipeba. Um total de 34 restaurantes vão oferecer pratos com ingredientes locais como lambreta, umbu e cacau. Imperdível!
Não deixe de assistir
Ainda na Bahia, a maravilhosa chef Leila Carreiro, do restaurante Dona Mariquita, nos presenteia com o lindo curta Cozinha Patrimonial - a influência africana na culinária baiana. Emocionante!