Quando cresceu, compreendeu que a raiz era um símbolo de sobrevivência para muitos agricultores.
E isso incluía grande parte da população do Vale do Juruá, noroeste do Acre, a 648Km da capital Rio Branco. Foi lá, no ponto mais extremo do oeste do Brasil, que um modo centenário de fazer farinha foi passado entre gerações.
Hoje, esse modo de fazer da Farinha de Cruzeiro do Sul é patrimônio imaterial do estado e responsável por 60% da economia de todo o vale.
Crocante, bem torrada, feita com capricho e todos os cuidados necessários para a segurança do consumidor, a farinha foi evoluindo com o auxílio de entidades como a Embrapa e o Sebrae, que passaram a implantar tecnologias para sua melhoria.
Sempre com a preocupação de salvaguardar o modo de fazer artesanal tradicional, conseguiram, junto com os agricultores, melhorar ainda mais a qualidade do produto com as boas práticas de fabricação, e reduzir as horas de trabalho dos produtores.
Sebastião conta que antes, quem fazia farinha trabalhava da 1h da manhã até às 20h.
Essa jornada exaustiva foi reduzida para oito horas diárias após a implantação das tecnologias. Isso deu também espaço à criatividade, o que ajudou na criação de outros tipos de farinha de mandioca para atender a demanda dos clientes - fina, grossa, branca, amarela.
Atual presidente da COOPERFARINHA (Cooperativa Nova Aliança dos Produtores de Farinha do Vale do Juruá), Sebastião explica que a Indicação Geográfica (IG) concedida à Farinha de Cruzeiro do Sul em 2017 trouxe ainda mais valor ao produto feito nos cinco municípios do Vale do Juruá que podem utilizar a chancela.
Além da cidade de Cruzeiro do Sul, onde tudo teve início, Mâncio Lima, Rodrigo Alves, Porto Walter e Marechal Thaumaturgo fazem parte da região que a IG compreende.
Mas somente cooperativas filiadas à Central Juruá, que comercializa a farinha e outros produtos da agricultura familiar, podem vender a Farinha de Cruzeiro do Sul com esse nome.
Isso porque o produto, para ter uma Indicação Geográfica, precisa atender requisitos que foram aceitos pelo INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial) na concessão do título.
E a Central é quem fiscaliza a farinha produzida nas cooperativas.
A Farinha de Cruzeiro do Sul foi o primeiro produto derivado da mandioca a conseguir IG no Brasil.
Além de ter sido também a primeira farinha do mundo a receber o selo. Sua importância econômica e cultural é indiscutível, mas, mesmo assim, não garante que as gerações mais jovens queiram dar continuidade à produção do produto.
“Nós temos que valorizar ainda mais a nossa tradição e ter prazer em fazer farinha”.
Assim, quem sabe, a exemplo das crianças de ontem que praticamente nasciam nas casas de farinha e admiravam o processo, as de hoje possam se orgulhar do produto que representa a história de seu território…
E queiram dar prosseguimento ao trabalho que foi iniciado por seus antepassados.
Sugestão de consumo: Cuscuz de farinha de mandioca
O Comida com História faz parte de uma cadeia que valoriza quem carrega nossas tradições gastronômicas, pratica a sustentabilidade e traz nutrição pra nossa mesa.
Dá play nesse vídeo para conhecer quem faz essa revista:
Esses últimos 12 meses não foram nada fáceis, não é mesmo? A pandemia exigiu - e ainda exige - muito cuidado de todos nós. Vai ser um período que nunca iremos esquecer. Para nós do Comida com História esse último ano foi duplamente desafiador.
Mesmo com todas as dificuldades impostas pelo momento, realizamos um sonho criando essa revista digital que completa agora um aninho de vida!
Nesse ano, passamos por 12 estados brasileiros (de forma virtual, já que a pandemia nos impede de estar presencialmente em cada um desses lugares). Contamos 60 histórias saborosas que ajudaram a dar mais visibilidade aos produtores artesanais que lutam para manter nossas tradições gastronômicas.
Foi uma caminhada e tanto! E vem muito mais por aí. Por isso queremos agradecer sua companhia e o seu apoio. Muito obrigado!
e tem mais histórias nesta edição:
- Biscoito, farinha, óleo e mais: conheça os produtos que agregam ainda mais valor à Castanha do Brasil!
- Tucupi engarrafado: esse caldo amarelo vibrante é ingrediente de muitos pratos populares no Acre.
- Já provou vinho de açaí? Esse sabor surpreendente nasceu pelas mãos de um produtor autodidata!
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Um exemplo de produto que já fez ingleses levarem suas sementes para tentar o plantio na Ásia foi a castanha do Brasil.
Mas a tentativa foi frustrada: para ser produzida em grande escala, precisa de agentes polinizadores que só existem em seu ecossistema natural, ou seja, a Floresta Amazônica.
O Brasil é um dos maiores produtores dessa castanha do mundo, e mesmo sendo um produto muito apreciado fora do país, a produção é praticamente vendida toda in natura.
Por isso, o empresário acreano José Luiz Assis Felicio resolveu agregar ainda mais valor à castanha.
Ele criou uma linha de produtos que valoriza o fruto da castanheira, árvore tão representativa em seu estado.
A empresa começou a trabalhar com a castanha há 15 anos, mas sua história teve início bem antes disso. Os já falecidos pais de José, Mirian Assis Felicio e Abrahão Felicio, criaram o negócio há 54 anos.
Atualmente, José Luiz toca a empresa familiar em sociedade com o irmão Abrahão Assis Felicio.
Mas eles não esquecem o quão importante foi a atuação da irmã Sarah Assis Felicio, também falecida, para o desenvolvimento da empresa.
E não é de se estranhar, afinal, a castanha é um alimento riquíssimo em proteínas, fibras, selênio, magnésio, fósforo, zinco e vitaminas do complexo B e vitamina E.
Existem estudos recentes que incluem o alimento na dieta de lactantes que mostram que ele ajuda na conservação de massa magra da mãe e no crescimento do bebê.
A castanheira é uma das árvores mais altas da Floresta Amazônica, com altura entre 30 e 50 metros.
Ela dá um fruto chamado ouriço, onde dentro crescem as castanhas. O ouriço tem o formato redondo e uma casca dura, e pesa em média 700 gramas, carregando entre 16 e 26 castanhas. Por isso o cuidado no extrativismo da castanha é fundamental, já que a queda de um ouriço em cima de uma pessoa pode ser fatal.
A colheita da Miragina é feita após o período de quedas, quando os ouriços são catados do chão.
Caldeirada, rabada e tacacá eram pratos comuns de se ver na mesa da família Castro, que se formou em torno de ingredientes locais e baratos. O impacto da comida foi tão forte na vida deles que um dos filhos, o Daniel, cresceu e se tornou um empreendedor na área da gastronomia.
Já deu pra adivinhar o que ele produz hoje? Sim! Tucupi!
“Eu gosto muito de tucupi. Eu venho de família humilde, caldo tinha que ser pra muita gente, essa era a intuição da minha mãe.
Então sempre era tucupi na mesa. Ter essa empresa era um sonho que eu tinha, hoje eu tô realizado.”
Daniel Castro
Para realizar o sonho de se tornar empreendedor, Daniel chamou a amiga Maura Silva, produtora de mandioca, para ser sócia dele na empresa Tucupi Saboroso.
Na cozinha industrial montada no bairro Alto Alegre, em Rio Branco, o tucupi fica entre 4 e 5 dias acurando até ficar bem azedo. Depois, é colocado pra ferver e temperar com uma mistura de alho, chicória e pimentinha de cheiro.
“É um caldo gostoso, azedinho e bem apurado. A pessoa toma um caldo e fica bem até a noite porque ele é fonte de energia, principalmente pra quem trabalha na roça.”
Mesmo nesse período tão difícil para todos, as vendas estão ótimas e garantem o sustento não só a Daniel e Maura, mas também a outras 3 famílias.
“Nós temos 3 funcionários que estão seguros financeiramente. Aqui no estado, emprego é muito precário. Então saber que 3 famílias estão sendo ajudadas pela empresa é muito bom.”
Brincadeiras à parte, o processo para chegar ao produto ideal da Florisa Vinhos começou em 2015, quando Marcos Júnior fez sua primeira cerveja artesanal.
Autodidata e, por que não dizer alquimista, chegou a ganhar um prêmio nacional em 2018 com sua cerveja Lager Schwarzbier. De lá, aprofundou-se ainda mais no estudo da fermentação e passou a fazer hidromel, uma bebida alcoólica fermentada feita com mel.
Para dar mais sabor, colocou amora e criou um melomel, uma subcategoria do hidromel. Este foi o precursor do vinho de açaí.
Tímido, cauteloso com as palavras, Marcos sente-se mais à vontade em contato com as leveduras que transformam o açúcar da fruta em álcool.
O mesmo cuidado que tem ao se exprimir, é usado na elaboração do produto que ele ainda considera experimental, mesmo já tendo sido aprovado por chefs e amigos que degustaram o vinho.
O resultado da produção deu origem a dois tipos de vinho de açaí.
Um seco, onde a acidez da fruta é mais evidente, e outro com um pouco de açúcar residual para equilibrar a acidez e o vinho como um todo.
As possibilidades de harmonização são inúmeras, mas o grande valor do vinho da Florisa Vinhos está no propósito de Marcos em fazer jus à excelência do açaí.
Fruta nativa das várzeas da região amazônica, o açaí faz parte da alimentação da população nortista desde o período pré-colombiano.
Seu nome tem origem tupi, e seu modo de coleta é ainda muito difícil, no qual o homem sobe na palmeira com auxílio de um trançado de folhas amarrado aos pés, a peconha.
Alimento presente na mesa dos ribeirinhos e que ganhou fama nacional e internacional devido a seu poder energético, o açaí tem uma quantidade de oxidantes 33 vezes superior à da uva.
Como uma plantinha cultivada com afeto, o projeto criou uma verdadeira comunidade pelo Brasil.
Conquistou parceiros e amigos conectados com a causa da alimentação sustentável e ajudou, por que não dizer, a transformar para melhor a vida de vários pequenos produtores.
Pessoas com histórias lindas e produtos deliciosos que jamais tiveram antes visibilidade nacional.
Dá gosto de lembrar das delícias que conhecemos e provamos!
A diversidade de vidas que trouxemos a essas páginas em 12 meses de revista é mesmo digna do país continental onde moramos. Um país de terra rica e fértil, com imensa variedade de plantas comestíveis e tradições ainda muito vivas nas cozinhas e nos corações de norte a sul.
Mas ainda tem muito chão pela frente, muita história boa pra contar.
Mas o prato principal do Comida com História sempre foi a valorização de quem luta para manter vivas nossas tradições gastronômicas.
Quando a gente terminar de percorrer os quatro cantos do Brasil e completar as edições em todos os Estados, o plano é transformar toda essa riqueza cultural em um livro para que nada se perca, nada seja esquecido.
Nós, Leyla, Amanda e Gustavo, equipe do Comida com História, seguimos aqui te levando nessa viagem pelo Brasil em busca de outras inspirações carregadas de delícias afetivas.
Do lado de cá, muita gratidão pela audiência que caminha conosco nessa jornada. Do lado daí, esperamos que você se emocione tanto quanto nós nos emocionamos a cada edição.
Será que você sabe o que é?
Fala-se tanto em agricultura familiar, mas você sabe realmente o que isso significa? Assista ao vídeo para entender que a agricultura familiar vai muito além do plantio em pequenas propriedades.
E por falar em agricultura familiar…
Quem não gosta de uma receita nova, não é mesmo? Quer ver então quando ela tem ingredientes da agricultura familiar que deixam a nossa alimentação ainda mais saudável! O Instituto Kairós criou um e-book com receitinhas deliciosas e cheias de significado que compartilhamos aqui com você. Aproveite!
Cuidando do nosso futuro
Já falamos em sementes crioulas aqui na revista Comida com História, e agora trazemos uma animação que explica bem o que elas são, assim como quem são as famílias guardiãs.
Presente de aniversário!
Um ano de aniversário da revista Comida com História e temos um presente para nossos leitores. Nossas edições estarão sempre disponíveis pelo nosso site. Confira!