Loading

A sequência de camarão Revista Comida com História

Alho e óleo…
à milanesa…

E ainda grelhado, com molho, bolinho, caldo…

É uma experiência completa, criada para todos os gostos.

Essa ideia só poderia ter surgido num ambiente plural, de comunidade, em que a amizade e o prazer de servir todo mundo era o principal motor da cozinha.

Vamos viajar nessa história?

Florianópolis

Final da década de 50

A ilha começava a receber aos poucos a fama turística.

Mas antes de se consolidar como um destino procuradíssimo, boa parte dos locais que hoje são cartões postais ainda eram regiões pacatas onde praticamente só a comunidade circulava.

A Lagoa da Conceição, uma das paisagens mais famosas, era o quintal da casa de muita gente.

Cenário de amizades antigas, era ali que conhecidos se encontravam para conversar compartilhando uma bebida no bar da vizinhança ou uma boa refeição de pescado fresco.

Foi nesse ambiente que nasceu um dos bares mais icônicos da história gastronômica da ilha.

Um manezinho chamado Andrino Adrião de Oliveira percebeu o potencial turístico da região e decidiu abrir o Dunas Bar, um bistrô dedicado a divulgar a culinária local.

Era como a casa da família: um bistrô simples, feito de madeira, pertinho das dunas.

Quem chegava para comer, podia ficar com o pé na areia enquanto curtia a vista extraordinária - típico ambiente de Floripa. O Dunas Bar ficava na beiradinha de onde hoje é a clássica Avenida das Rendeiras. Não havia cardápio. Era só chegar e perguntar o que havia no menu do dia, montado conforme a disponibilidade dos pescados da região.

A grande atração era o caldo de camarão, uma criação de Andrino para agradar a clientela.

Não só agradou como virou um dos pratos principais da sequência de camarão, que surgiria depois.

A sequência de camarão é um símbolo do auge da Lagoa.

Junto ao movimento do Dunas Bar, surgiram outros vários bares na região, que foi se consolidando como ponto turístico. Foi por causa desses pequenos comerciantes que a Lagoa da Conceição virou sinônimo de boemia. Assim como o caldo de camarão, outros pratos à base do crustáceo também faziam sucesso - e isso deu uma ideia aos cozinheiros locais:

“E que tal unir todas as iguarias em um só pedido, hein? Bora!”

E nasce uma sequência completa!

"Os turistas chegavam nos restaurantes e pediam as diferentes porções de camarão.

Aí veio a ideia de montar um prato com todas as porções."

Narbal de Souza Corrêa, chef de cozinha especialista em gastronomia de Florianópolis

Siri recheado (sim, o siri faz parte da sequência!), camarão ao alho e óleo, no vapor e à milanesa e, por fim, o caldo de camarão com peixe grelhado. Sem esquecer o pirão feito com o caldo.

"Esse foi o prato mais famoso da Ilha até os anos 2000. Até lá só se comia isso, sequência de camarão.

Até que descobriram o queijo… O queijo é o que descaracteriza nossa alimentação".

Quem diz isso é um dos três chefs de cozinha mais antigos em atuação em Florianópolis, Narbal de Souza Corrêa. Além de cozinheiro, Narbal é dono de restaurante e pescador submarino profissional.

Narbal também é um especialista na gastronomia manezinha, com livros publicados e participação em eventos internacionais onde divulga a cultura alimentar de Florianópolis. Por isso lamenta a chegada do queijo: considera um substituto fácil de muitos ingredientes e pratos típicos que foram perdendo lugar.

Um deles, a sequência de camarão, que já não é tão comum de encontrar nos bares da cidade.

"Muitos restaurantes tradicionais da Lagoa fecharam. Mas alguns ainda fazem esse prato, que é uma marca forte nossa. Tem um bar que é um verdadeiro guardião das receitas originais da Lagoa, até os garçons são tradicionais e sabem muito sobre a cultura local."

Narbal se refere a um famoso bar que tem a família reunida no nome e nas tradições conservadas através do tempo.

Terceira geração

Mário César Teixeira é um dos donos atuais do Bar do Betinho do Deca da Lina. Ele é filho do seu Deca, que já faleceu. Já é a terceira geração do bar, que não abre mão de conservar não apenas as receitas mas a clientela local. Aqueles clientes dos quais já se sabe o nome, o jeito e o prato favorito. Coisa rara em regiões turísticas.

"Somos um dos poucos restaurantes da Lagoa que ainda pertencem aos nativos, e nossos clientes em grande parte são manezinhos da Ilha”, diz Mário César.

“É importante manter essa ligação com as receitas dos nossos pais, avós e dos que vieram antes deles para preservar a história da Lagoa.”

Mário César Teixeira

E quem ajuda a preservar essa cultura são os próprios garçons.

Os garçons são um tesouro à parte, formando uma grande família de pessoas dedicadas a esse propósito: não deixar a cultura da Lagoa morrer.

Muitos trabalharam em antigos restaurantes que já fecharam e, hoje, levam toda essa experiência para a nova geração de garçons. Incluindo a história da criação da sequência de camarão, um dos pratos mais pedidos no Bar do Betinho do Deca da Lina.

"É o mais pedido por quem é nativo da Ilha porque tem um toque da comida típica da Lagoa.

E o turista, que vem conhecer e tem curiosidade, pode experimentar uma comida bem manezinha."

Mário César Teixeira

O chef Narbal acredita que a culinária da Ilha se fortalece com a existência de restaurantes como o Betinho do Deca da Lina.

No seu próprio restaurante, o Puro Oyster Bar, em Jurerê, também há um esforço para manter receitas típicas de Florianópolis, aliando a gastronomia contemporânea à tradicional. Para o ativista da culinária local, é preciso voltar os olhos cada vez mais para dentro do próprio território.

Há riquezas a serem redescobertas e, tomara, exaltadas.

"Cozinha é tendência, é moda.

Ainda vai chegar a moda da cozinha brasileira, aí nós vamos ver quanta coisa a gente tem aqui para ser valorizada."

Narbal Corrêa

fotos: Marcelo Feble

Esta história termina aqui.

O projeto do Guia Cultural Gastronômico de Florianópolis é totalmente patrocinado pela Secretaria de Turismo, Cultura e Esporte e Fundação Cultural de Florianópolis Franklin Cascaes por meio da Lei Municipal de Incentivo à Cultura nº 3659/91.

Anchor link copied.