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Benzedeiras da Ilha da Magia Revista Comida com História

🎵 "Venho para abrir as portas…
A alegria é que me traz…
O que há de tristeza nessa casa…
meia-volta e não volte jamais."🎵

Esse é o canto de uma benzedeira.

No momento em que reza a música, ela sacode as ervas…

Estamos falando de um ritual antigo que ainda está vivo… e pretende continuar sobrevivendo ao tempo.

O benzimento é mais do que um folclore e muito mais do que uma religião, é uma prática enraizada na cultura manezinha: a Ilha que nasceu nos braços de uma benzedeira.

Florianópolis, a Ilha da Magia

Esse nome não foi dado em vão - é que aqui uma cidade se costurou por lendas fantásticas, como a das bruxas. Entre seres mitológicos e místicos contados nas histórias antigas da Ilha, tem um que é de carne e osso.

Existiu mesmo e ainda existe: são as benzedeiras.

Mais do que fantásticas, são figuras históricas.

Quando Florianópolis ainda era Nossa Senhora do Desterro e a população local vivia sem acesso a muita coisa, como medicina, foram as benzedeiras os grandes pilares da sociedade.

Conselheira, Feiticeira, Farmacêutica, Médica, Xamã…

Cada comunidade tinha a sua. E todas reverenciavam sua existência.

"A benzedeira era o centro de todo conhecimento. Muitas vezes também a benzedeira era parteira, ou aquela que preparava o alimento.

Era uma figura de conexão com o divino."

Camila Gonçalves Gomes, benzedeira

A Camila é a benzedeira mais jovem de Florianópolis, descoberta através de um mapeamento feito em 2018 pela socióloga Tatiane de Amorim.

A partir desse estudo, as benzedeiras se reconheceram e se uniram em torno de uma missão em comum: tornar seus saberes um patrimônio.

A cultura da benzedeira foi decretada Patrimônio Cultural de Florianópolis.

A cerimônia aconteceu em março desse ano, 2024, no aniversário da benzedeira mais velha em atividade, a dona Ondina, de 92 anos - uma verdadeira joia de saberes ancestrais.

Quase toda benzedeira aprende sobre as ervas com a mãe, a avó ou uma religião, geralmente de matriz africana. Com a Ana Cláudia Fraga Costa foi assim, ela teve todas essas inspirações e um dom que não sabe explicar de onde vem.

"Eu comecei a rezar com 8 anos de idade, fazia brincadeira de benzimento, fazia até fila pra benzer as crianças. Quando cheguei na adolescência, eu esqueci a oração.

Anos depois, uma tia trouxe um jovem com cobreiro para eu benzer. Por coincidência, eu tinha sonhado com a oração dias antes. Não tem explicação, não sei o que houve."

Desde esse episódio, Ana nunca mais parou de benzer.

A oração varia conforme a pessoa, o problema e o dia. "É coisa de intuição", ela diz.

É intuição mesmo. Cada benzedeira tem seu próprio ritual.

A Camila, por exemplo, gosta de cantar suas próprias músicas.

Ela tem um trabalho autoral, já gravou um disco com canções e um audiobook com orações usadas nos benzimentos.

"Eu tenho base católica, mas foi a Umbanda que me ensinou a manipular as ervas, a lidar com as questões da natureza.

Fui juntando os saberes ancestrais e também os saberes científicos para criar meu próprio ritual, desvinculado de religião. Foram 20 anos de estudo, um mergulho profundo dentro de mim."

Alecrim, para a saúde mental. Lavanda, para mães e bebês. Arruda, para limpeza energética. Dá para fazer incenso, infusão, banho de ervas…

Algumas delas são as mesmas usadas na culinária tradicional, que é outra forma de cuidado. A benzedeira Ana, por exemplo, adora mexer nas panelas e cozinhar para quem ama. O mesmo alecrim da reza é o que tempera o peixe, levando a magia até para o prato.

"É onde a gente coloca nossa energia também, né?"

O momento agora é de salvaguardar os saberes dessas mulheres.

Registrar seus conhecimentos, rituais e tradições para que jamais sejam esquecidos.

"A cultura da benzedeira quase morreu aqui na nossa ilha, então nosso objetivo é registrar e soprar esse saber."

Camila Gonçalves Gomes

Foi num sopro que benzedeiras como Ana e Camila ouviram a história e se tornaram parte dela.

É também num sopro que podem nascer novas benzedeiras manezinhas.

“Eu sempre quis entender o invisível.

Eu confio no invisível, eu não tenho dúvida que ele existe, mas eu queria entender como se manifesta.”

“As ervas são a conexão com a natureza, e se encaixam em todas as esferas da vida."

Camila Gonçalves Gomes

Fotos: Marcelo Feble

Esta história termina aqui.

O projeto do Guia Cultural Gastronômico de Florianópolis é totalmente patrocinado pela Secretaria de Turismo, Cultura e Esporte e Fundação Cultural de Florianópolis Franklin Cascaes por meio da Lei Municipal de Incentivo à Cultura nº 3659/91.

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