Sob os sóis A dignidade dos trabalhadores nas praias

Autoria de Alice Mendonça Mota e Ana Carolina Alves Oliveira Santos.

Um Sol para cada cabeça.

Essa expressão popular é costumeiramente usada para se referir a dias muito quentes e, considerando as grandes ondas de calor que o país inteiro enfrenta, vem sendo utilizada com cada vez mais frequência. Esse cenário faz com que muitas pessoas busquem alternativas para se refrescar, sendo a principal delas, a praia. Mas, enquanto muitos curtem o frescor, como é a realidade de quem realiza seu trabalho digno exposto a esses “sóis” para atender as pessoas nas praias?

Os sóis escaldantes: as causas

O calor intenso em 2023 provocou a maior média histórica de temperatura no país, com 0,69 ºC acima da média de 24,23 ºC, de acordo com o INMET (Instituto Nacional de Meteorologia). O instituto completa que, dos 12 meses do ano, nove registraram temperaturas acima da média esperada. O ano de 2024 também se destaca, com ondas de calor recordes e recorrentes. O Climatempo e o INMET já emitiram alertas sobre o fenômeno, que faz subir em até 5 ºC as temperaturas.

O professor de Geografia da Escola IBV (Instituto Brasileiro de Vencedores) de Tobias Barreto, Daniel Carlos, afirma que a relação desequilibrada entre o ser humano e a natureza contribuiu severamente para o aumento das temperaturas e do calor. Ainda de acordo com ele, o El Niño (aquecimento anormal do Oceano Pacífico) é um dos fatores que interferem no aumento das temperaturas, e é esperado um futuro preocupante, com desequilíbrios ambientais e calor extremo.

As altas temperaturas afetam o país como um todo e em Sergipe não é diferente. Os trabalhadores do estado, em especial, das praias da capital, Aracaju, se adaptam para enfrentar o impacto do calor nestes ambientes de alta exposição ao Sol, que pode afetar a saúde e causar consequências graves, caso não haja a devida proteção.

Os impactos no trabalhador: realidade nas praias

O Sol gera insalubridade.

O pesquisador e professor do Departamento de Farmácia (DFA), Lysandro Borges, da Universidade Federal de Sergipe (UFS), descreve acima a fragilidade do trabalhador que enfrenta a longa exposição ao Sol nas praias, principalmente daqueles de caráter informal. Acerca disso, são expostos os desafios e necessidades contínuas dos trabalhadores nas praias para se proteger do Sol e dos perigos à saúde.

Paulo Sérgio, encanador e pedreiro.

O trabalhador Paulo Sérgio, de 40 anos, faz a manutenção das bombas na praia de Atalaia nos fins de semana. Para ele, os impactos do calor no corpo são normais, porque já está acostumado com as altas temperaturas, as quais enfrenta, apenas, com um boné.

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O flanelinha Pedro, da praia de Aruana, descreve a resiliência de aguentar o calor, afirmando que não se protege com nada.
Tem que aguentar, até chegar o inverno.

Cosme, procura metais na Praia de Atalaia.

Em contraste com os demais, Cosme protege-se da cabeça aos pés. Ele costuma utilizar luvas e várias camadas de roupas, uma em cima da outra, incluindo calças longas e meias. Além disso, utiliza protetor solar em abundância no rosto, em conjunto com os seus óculos e máscaras. Até mesmo o seu instrumento de trabalho, o fone de ouvido acoplado ao detector de metais, protege o seu rosto.

Nativo trabalha com bebidas na praia de Atalaia. Ele também declara já estar habituado com o calor, mas utiliza protetor solar fator 60, boné e camisas de manga comprida para trabalhar.

O calor está muito grande. Inclusive eu estou com uma assadura, estou até fazendo tratamento com pomada. Eu uso protetor solar, fator 60, e, ainda assim, o calor tem um impacto muito grande.

Washington vende pipas na praia de Aruana e destaca suas dificuldades com as altas temperaturas, as quais podem ser observadas na foto ao lado com a transpiração em meio ao esforço de seu trabalho.

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Os guarda-vidas Dorna e Alan, apesar de trabalharem apenas duas vezes por semana na praia, sempre utilizam artifícios de proteção para manterem os cuidados com o calor, como os sombreiros, a proteção ocular, a cobertura (chapéu) e o protetor solar. Apesar dos cuidados, eles reclamam da fadiga constante.

Pedro, flanelinha da área da Orla de Atalaia, declara que sempre se protege com protetor solar, chapéu e óculos.

O suor é um impacto bastante descrito pelos trabalhadores entrevistados.

A sensibilidade à luz solar é recorrente nos trabalhadores. E em Everton, mais conhecido como "Bobó do Kel”, não é diferente.
Everton, que vende bobó na praia de Atalaia, afirma que os principais impactos que sofre são causados pelo mormaço, calor, suor e areia quente.

Artifícios: como se proteger

O senhor Alonso trabalha vendendo brinquedos nas praias. Para carregar os produtos, utiliza uma carroça com um cavalo. De acordo com ele, a sua carroça, para além da locomoção, tem outro propósito: protegê-lo do sol. Isso porque ela possui uma cobertura que o ajuda a permanecer longe dos raios solares. Mas se engana quem acha que Alonso só vende brinquedos. Ele também comercializa protetores solares.

O pessoal sempre pede. Eu não vendia, mas o pessoal vinha atrás. Por causa disso, eu passei a vender os protetores e os bronzeadores. Eu coloquei aquela placa porque eu vou passando e o pessoal vai vendo.

Lysandro Borges destaca que, pelo fato de o Brasil ser recordista em câncer de pele, é de suma importância o uso constante de protetor solar, com a devida aplicação, que deve começar em casa, e com a frequente reaplicação, para não perder o efeito de proteção da pele contra os raios UVA/UVB, que são cancerígenos.

O estudioso também expõe os riscos à saúde dos trabalhadores acerca da exposição prolongada ao Sol, que podem variar entre um simples mal-estar até a morte, em casos mais extremos.

O aumento da temperatura causa vasodilatação, na qual capilares e veias dilatam. Isso pode gerar no indivíduo, que esteja desidratado ou que tenha comorbidades como hipertensão e diabetes, um agravamento do quadro, gerando um mal súbito. A pessoa pode desmaiar e pode passar muito mal, necessitando de suporte médico, inclusive. E isso pode levar à morte.

Lysando discorre sobre a questão da hidratação:

Essas pessoas têm que entender que é preciso se hidratar muito mais do que uma pessoa que não está exposta ao Sol, porque a hidratação evita a insolação.
Jeová trabalha com montagem de eventos na área da Orla de Atalaia. Ele ressalta sentir queimaduras na pele e dor de cabeça após ficar exposto ao sol e diz sempre estar com o protetor solar.

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Lysandro destaca também a necessidade de se utilizar roupas adequadas para se proteger das radiações solares.

Hoje a gente já tem tecidos com proteção UVA e UVB, que são radiações carcinogênicas que podem gerar o câncer de pele. Também, temos chapéus, pescoceiras e camisas de manga longa com proteção para esses trabalhadores.
Na praia de Aruana, os garis Ronald e Monize sempre estão com roupas compridas e afirmam utilizar protetor solar. Além disso, declaram que são muito impactados pela sede enquanto estão sob o Sol.

A conscientização é fundamental para a proteção dos trabalhadores. Lysandro finaliza com a necessidade de estabelecer políticas públicas voltadas a esta parcela da população. Entre elas, pode-se citar a capacitação de empresas e de trabalhadores informais sobre os riscos e as medidas protetivas contra o calor, além da hidratação constante, do uso de roupas adequadas e de protetor solar.

Assim, os trabalhadores das praias de Aracaju poderão enfrentar todos os "sóis" de maneira digna.

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Trabalho realizado na disciplina de Fotojornalismo - 2023.2

Curso de Jornalismo

Universidade Federal de Sergipe