JC Leyendecker: EXPLORANDO A ARTE E IDENTIDADE EM UMA ERA DE HETERONORMATIVIDADE Por Léia Rodrigues Costa

Joseph Christian Leyendecker, mais conhecido como JC Leyendecker, um dos "gêmeos ilustradores", emergiu como uma figura seminal no cenário artístico e publicitário dos Estados Unidos nas primeiras décadas do século XX. Nascido em 1874, Leyendecker foi um ilustrador e artista comercial cujo trabalho desempenhou um papel significativo na formação da cultura visual americana da época, faleceu em 1951, em Nova York. No entanto, sua influência vai além das imagens que criou; ela se estende pelo modo como ele navegou sutilmente nas águas da sexualidade em uma época em que as atitudes culturais em relação à homossexualidade eram complexas e muitas vezes reprimidas.

Ele e seu irmão, Franz Xavier Leyendecker (1876-1924), nasceram em Montabaur, na Alemanha, mudaram-se para Chicago com sua família quando crianças. Ambos frequentaram a Escola de Arte do Instituto de Chicago, onde desenvolveram suas habilidades artísticas e paixão pela ilustração. Rapidamente eles se destacaram e, em 1900, foram para Nova York, onde se estabeleceram no Bryant Park Studios.

J.C Leyendecker iniciou sua carreira profissional como ilustrador, logo destacando-se no cenário artístico americano. Seu estilo distintivo combinava um domínio magistral da técnica de pintura a óleo com uma sensibilidade para retratar a elegância e o charme da classe alta americana da época. Suas ilustrações eram conhecidas por sua precisão na representação de tecidos, texturas e a capacidade de transmitir emoções e narrativas por meio de expressões faciais e composições cuidadosamente planejadas

As ilustrações de Leyendecker, com seus olhares intensos e expressões carregadas de tensão entre os personagens masculinos, capturavam a imaginação do público. Embora não fosse possível discutir abertamente a homossexualidade na sociedade da época, Leyendecker conseguia transmitir nuances de relacionamentos homoafetivos em suas obras sem comprometer sua aceitação pelo público em geral.

J.C. Leyendecker, "Men with Golf Clubs", 1909, Óleo sobre tela, Museu Nacional de Ilustração Americana, Newport, RI. Fonte: Art Blart

Suas representações de homens elegantes em cenários sofisticados, envolvidos em atividades como velejar, jogar golfe ou frequentar clubes masculinos, eram carregadas de tensão e olhares sugestivos, deixando espaço para interpretações homoeróticas. Em tempos de Código Hays, esses poucos detalhes eram suficientes para o público queer captar o subtexto homoafetivo de suas obras.

O Código Hays foi um conjunto de leis destinado a regular as temáticas representadas nos filmes, o código teve suas raízes em 1924, mas só se tornou oficial na década de 1930. No entanto, foi em 1934 que a era de maior repressão se acirrou, quando então, o Código Hays passou a proibir uma série de elementos, incluindo retratos classificados como "perversão sexual", termo que se referia principalmente à homossexualidade.

No entanto, a proibição imposta pelo Código Hays não conseguiu erradicar completamente a representação de personagens LGBTQIA+ nas telas de cinema. Os cineastas e roteiristas da época tiveram que recorrer à criatividade para contornar a censura. O resultado foi a criação de personagens "queer coded", ou seja, personagens cuja orientação sexual ou identidade de gênero não era explicitamente abordada no roteiro, mas que eram representados de maneira sutil nas entrelinhas. Essas representações "queer coded" permitiram que a comunidade LGBTQIA+ encontrasse uma forma de identificação nas telas de cinema, mesmo que fosse de maneira velada.

Nesta mesma lógica, Leyendecker trouxe em suas obras, além das imagens com seus clássicos entre olhares, trouxe também, homens atraentes em situações e poses tipicamente atreladas ao feminino, dando ênfase às formas volumosas do corpo, as nádegas e vestindo-os com roupas finas que marcavam as silhuetas.

JC Leyendecker, "Man on the Bag". Fonte: The Digital Research Library of Illinois History Jornal
JC Leyendecker, Imagem publicitária para Inter woven Socks. Fonte: ART & ARTISTS

Em diferentes momentos, ele decidiu ousar ainda mais, destacando e revelando a sexualidade enfatizando partes do corpo como mamilos, pélvis, dando relevo ao pênis como demonstramos nas imagens a seguir , onde, a primeira (fig.1), revela parcialmente o mamilo do modelo e destaca sua pélvis, na segunda (fig. 2), destaca o relevo do pênis do modelo, ignorando o caimento lógico de sua roupa larga, como forma de cativar seu público homossexual e expressar sua identidade.

JC Leyendecker, , Museu Nacional de Ilustração Americana, 1916 , Newport, RI. Fonte: Art Blart
JC Leyendecker, "Ivory Soap It Floats", 1900, Guache a bordo, Museu Nacional de Ilustração Americana, Newport, RI. Fonte: Art Blart

No entanto, essas ilustrações também capturavam o imaginário do público heterossexual, que aspirava incorporar o ideal de masculinidade e elegância retratado nas obras de Leyendecker.

Outro aspecto interessante da sua vida é a presença de Charles Beach (1881-1954), modelo recorrente em seus trabalhos. Em 1903, Beach conseguiu um emprego como modelo no Bryant Park Studios, onde não só se tornou a maior inspiração para o "Arrow Collar Man", mas também se tornou parceiro de vida de Leyendecker.

Compilado de fragmentos de obras de JC Leyendecker onde o modelo Charles Beach é retratado

Como modelo, Beach posou inúmeras vezes, assumindo, até mesmo, diferentes personagens num mesmo quadro ou campanha. Além de modelo, Beach também foi secretário e gerente de negócios de J.C. Leyendecker, para que ele pudesse se concentrar no aprimoramento de sua arte.

Em 1916, após a morte do pai de J.C. Beach mudou-se para a casa dos Leyendecker, consolidando a relação que se manteve pelo resto de suas vidas. Em New Rochelle, construíram uma casa, onde organizavam diversas festas glamorosas, que ajudaram a divulgar os negócios de Leyendecker.

A década de 1920 foi a época de seu maior sucesso como ilustrador, tendo Beach ao seu lado apoiando seu crescimento. No entanto, na década de 1930 a 1940, a demanda por seu trabalho diminuiu e sua carreira sofreu um declínio. Mesmo assim, ambos se encontraram juntos em New Rochelle até o final de suas vidas.

J.C. faleceu em 25 de julho de 1951, aos braços de Charles, que faleceu em 21 de junho de 1954, aos 72 anos, devido a um ataque cardíaco enquanto era levado para o hospital.

Recentemente, em maio de 2023, uma exposição sobre Leyendecker foi realizada: "Under Cover" do Museu New-York Historical Society e nela foi revisto e reexaminado o trabalho e a influência de Leyendecker de maneira abrangente, mostrando como ele, de forma pioneira, explorou as políticas iniciais de identidade sexual e gênero, ao mesmo tempo em que ajudou a estabelecer um ideal nacional de beleza masculina elitista e atlética.

Um aspecto notável do trabalho dele foi a representação de uma masculinidade branca e privilegiada, que contrastava com a diversidade da sociedade americana da época. No entanto, a citada exposição também reconheceu a importância de considerar seu trabalho sob diferentes perspectivas, incluindo as questões de gênero, raça e sexualidade.

Importante salientar que sua produção também refletia o surgimento do consumismo e da publicidade nos Estados Unidos do início do século XX. Ele ajudou a transformar a publicidade em algo mais do que simples listas de recursos de produtos, criando imagens que evocavam aspirações e emoções.

De forma criativa ele desafiou as normas morais e culturais de sua época, usando sua arte para expressar sua identidade de forma sutil e corajosa. Sua contribuição para a cultura visual americana e sua habilidade de transmitir narrativas ocultas em suas ilustrações destacam a complexidade das relações entre arte, identidade e sociedade em uma época marcada pela heteronormatividade estrita. Leyendecker permanece como um exemplo notável de como a arte pode ser uma forma de resistência e expressão em face de normas sociais rígidas.

Referências:

https://www.nyhistory.org/exhibitions/under-cover-leyendecker-and-american-masculinity

https://observer.com/2023/06/undercover-leyendecker-new-york-historical-society/

https://www.nytimes.com/2023/06/29/arts/design/jc-leyendecker-the-arrow-collar-man-who-hid-a-radical-idea.html

https://artblart.com/2023/08/05/exhibition-under-cover-j-c-leyendecker-and-american-masculinity-at-the-new-york-historical-society/

https://muse.jhu.edu/article/871671

https://en.wikipedia.org/wiki/The_Arrow_Collar_Man

https://www.muddycolors.com/2023/08/leyendecker-under-cover/

https://poulwebb.blogspot.com/2015/04/j-c-leyendecker-part-9.html

https://marketingtherainbow.info/case%20studies/cs-health/gillette

https://drloihjournal.blogspot.com/2023/01/jockey-briefs-as-we-know-them-today-were-first-sold-by-marshall-fields-in-1935.html

https://valkirias.com.br/personagens-queer-

https://www.vogue.com/article/pride-2017-leyendecker-arrow-collar-man-sex-symbol

https://www.wikitree.com/wiki/Beach-4984