Por Ana Clara Neger
Com a chegada da corte portuguesa ao Brasil em 1808, surgia a necessidade de estabelecer um padrão europeu para a produção artística/cultural da colônia, assim apenas oito anos depois, em 1816, era inaugurada a Academia Imperial de Belas Artes. Para tal, diversos artistas, principalmente de origem francesa, foram convidados para lecionar na Academia.
No início, o foco das obras era principalmente a vivência da corte, mas após a independência do Brasil e especificamente após 1831, com a assinatura do decreto de 30 de dezembro, a academia passou a focar principalmente em pinturas históricas e de paisagens, arquitetura e escultura e, certamente, a referência estava extremamente baseada na arte produzida no continente europeu.
Um dos grandes destaques da academia foi Victor Meirelles, nascido em Florianópolis no ano de 1832, que teve seu talento reconhecido por D. Pedro II, tornando-se um dos pintores favoritos do Imperador. Suas obras possuem um caráter principalmente neoclássico, com leves influências do romantismo e do barroco. O artista, que pintava desde seus cinco anos, fazia das ruas de sua cidade natal a temática de suas obras no início da carreira, aos 14 anos foi aceito na Academia e, com apenas vinte anos, recebia o prêmio “Especial de Viagem à Europa”, o que lhe possibilitou estabelecer um intercâmbio com dois grandes polos culturais/artísticos da época: , a Itália e a França. Meirelles foi professor da Academia Imperial de Belas Artes e do Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro e teve um papel fundamental na formação de diversos artistas durante os 30 anos em que lecionou.
Meirelles ficou conhecido principalmente por suas pinturas históricas e paisagens, duas de suas obras mais conhecidas são, provavelmente, A primeira missa (1861) e Moema (1866), pinturas que apesar de possuírem como temática o Brasil, tinha amplo predomínio da estética europeia.
Apesar de sua habilidade e reconhecimento na época, Victor Meirelles acaba perdendo, seu protagonismo devido, não só, ao surgimento de novos artistas, mas também, pela chegada das primeiras fases do modernismo, cuja produção expunha as diferenças de um novo olhar e novas formas de representação, passando a atribuir às obras de Meirelles um cunho ultrapassado, seus panoramas e paisagens que um dia lhe deram fama passaram a ser vistos como monótonos. O artista acabou morrendo pobre e esquecido em 1903.
O romantismo chamava atenção até dos pintores acadêmicos e a obra “Impressão, sol nascente” de Monet abria as portas para o Impressionismo, movimento que crescia exponencialmente. A modernidade batia na porta e o Brasil não tinha escolha se não a abrir.
Atualmente, 120 anos depois da morte de Victor Meirelles, a arte se transforma com grande rapidez, tomando formas, estilos e poéticas diferentes para acompanhar um mundo cada vez mais frenético. Gabi Paterna, artista que está atualmente no segundo ano de sua formação no Centro Universitário de Belas Artes, produz coisas que se distanciam e se diferenciam completamente dos trabalhos clássicos acadêmicos do passado.
Apesar de utilizar meios tradicionais, como pincel e tinta em tela, a maioria das obras de Gabi são realizadas digitalmente. O projeto Being Silly, executado em 2023, é um ótimo exemplo disso. A obra se constituiu por três etapas com diferentes linguagens artísticas tais como: pintura tradicional com guache, uma performance e por fim uma série de fotografias com desenhos sobrepostos.
A primeira etapa consiste na execução de um autorretrato que une elementos realistas e cartunescos, por sua vez, a performance constitui-se de uma vandalização da pintura com tinta guache magenta e, por último, uma seleção de fotos de prédios e ruas com intervenções digitais por cima, a composição cria um aspecto distópico, se assemelhando a uma espécie de pixo virtual.
Segundo Gabi, Being silly “gira em torno da constante mudança do mundo e das pessoas”, assim como a própria arte. Gabi Paterna e Victor Meirelles são artistas acadêmicos, com um diferencial de 120 anos entre eles. As diferenças entre as produções dos dois artistas refletem o momento em que estão inseridos e a sua percepção das coisas ao seu redor. Afinal a arte é um reflexo da inconstância humana e é papel da academia impulsionar essas novas visões para não correr o risco de ficar obsoleta.
Referências:
GABLER, Louise. Academia imperial de Belas Artes. Gov.br, 2016. Disponível em:http://mapa.an.gov.br/index.php/menu-de-categorias-2/243-academia-imperial-de-belas-artes#:~:text=O%20ensino%20dividia%2Dse%20nas,aos%20quatro%20cursos%20da%20escola. Acesso em 03/09/2023
CARDOSO, Rafael. A Academia Imperial de Belas Artes e o Ensino Técnico. In 19&20, Rio de Janeiro, v. III, n. 1, jan. 2008. Disponível em: http://mapa.an.gov.br/index.php/dicionario-periodo-colonial/173-escola-real-de-ciencias-artes-e-oficios Acesso em: 03/09/2023
FRAZÃO, Dilva. Victor Meirelles: Pintor Brasileiro. Ebiografia, 2021. Disponível em: https://www.ebiografia.com/victor_meirelles/ Acesso em: 03/09/2023
ANDRADE, Ana Luiza. Academia Imperial de Belas Artes. Infoescola. Disponível em: https://www.infoescola.com/historia/academia-imperial-de-belas-artes/ Acesso em 09/09/2023