Ao se pensar nos nomes mais influentes da música pop, eletrônica, ou hip-hop, nomes como Daft Punk, Public Enemy e Michael Jackson podem vir à mente de maneira muito mais instintiva que Kraftwerk. Mas não se engane, o suspiro robótico do quarteto alemão farfalha as folhas da música muito mais do que se imagina.
A banda de Düsseldorf formada em 1970 traz o experimentalismo da década passada, influenciado pelos projetos audaciosos de Karlheinz Stockhausen — e seus sintetizadores do tamanho de uma geladeira duas portas —, e quebra o zeitgeist da época, fugindo das associações que lhe eram feitas pela imprensa internacional (principalmente inglesa, que via o seu império do ié-ié-ié ameaçado) com o krautrock — kraut, vindo do termo sauerkraut, o chucrute, fermentado de repolho tradicional da culinária germânica — que, de maneira pejorativa, os colocava em paridade com bandas importantes como Tangerine Dream e Can, que também não gostavam do apelido.
Ao fugir do caos e rebeldia do krautrock, Kraftwerk se apoia no minimalismo das estruturas musicais, com músicas que progrediam camada por camada, da base do synth, para a bateria elétrica — a primeira da história, inclusive, patenteada pelo próprio baterista da banda, Wolfgang Flür —, teclados e voz, e às vezes, tudo ao contrário. A escalada não soa orgânica, e essa é a ideia. Como robôs tocando a mesma melodia em looping, o quarteto desenvolve progressões tão hipnóticas que ecoavam nos clubes alemães na época, e assombram a música eletrônica até os dias de hoje.
Mas o sucesso veio mesmo quando a banda foi tocada pelas mãos de Midas do — ironicamente — inglês David Bowie que, em entrevista, reconta estar dirigindo por Berlim ao som do álbum Autobahn, e afirmou: essa é a melhor banda do mundo. Nas palavras do tecladista do Kraftwerk, Ralf Hütter: “Isso foi muito importante para nós, porque ligou o que estávamos fazendo com o mainstream do rock. Bowie costumava dizer a todos que éramos seu grupo favorito, e na década de 70, a imprensa de rock costumava prestar muita atenção em cada palavra que saía de sua boca”.
E mal sabiam eles que a ligação não se restringiria somente ao mundo do rock. Além de encontrar suas influências e samples em músicas essenciais do gênero — como Time, do Pink Floyd em 1973, e seus sinos tirados de Kling Klang, feita pelos alemães no ano anterior — e ter aberto as portas para subgêneros conhecidos até hoje — como o emblemático Metal Industrial e claro, o NDH, Neue Deutsche Härte, a Nova Dureza Alemã, já que a original pertence a Kraftwerk —, como também se expandiria para todo lugar onde olhasse. Ainda nos anos 70 seus beep-boops influenciaram o músico italiano Giorgio Moroder a conceber o que seria um dos maiores hits da música disco, responsável por devolver Donna Summer ao seu merecido holofote em I Feel Love.
Já nos anos 80 é Kraftwerk pra todo lado. A banda New Order entrega ao mundo em 1983 a música que viria a ser disputada como a mais emblemática do gênero New Wave, Blue Monday, que consta com um sample de Uranium, de 1975. Seu oponente como genitor do gênero é Cars, de Gary Numan, que não só usa e abusa das batidas duras e sintetizadores dos alemães, como também apresenta uma rima estética com a do quarteto.
No pop, o próprio rei, Michael Jackson expressou sua admiração pelos robôs de Düsseldorf, oferecendo uma parceria em seu novo álbum na época, oferta essa que foi negada pelo grupo. Em entrevista, o percussionista da banda na época, Karl Bartos afirma: “Pelo que me lembro, Michael Jackson queria trabalhar conosco, mas também queria comprar as fitas master do álbum "The Man-Machine" [de 1978], o que não foi possível”. Então, sim, existe uma realidade alternativa onde um dos álbuns mais influentes da música pop, Thriller, de Michael Jackson, conta com uma faixa em colaboração com Kraftwerk.
Um ano depois de um histórico show em Detroit, em 1981, nasce um dos maiores expoentes do que seria chamado de Miami Beat. Afrika Bambaataa lança Planet Rock, com o sample mais emblemático quando se fala de Kraftwerk. Aos 48 segundos da música, se ouve claramente os sintetizadores de Trans Europa Express, lançada pelos alemães em 1977, e um beat bastante característico, que foi usado de base para quase todas as músicas do gênero, retirado da música Numbers, de 1981.
E se hoje existem grandes nomes e músicas do extremamente popular Funk brasileiro, é graças a essa junção das estruturas robóticas e industriais do quarteto de Düsseldorf, com o flow e o ritmo do afrofuturismo oitentista. Em uma entrevista para O Globo, o renomado DJ Marlboro afirma:
“Eu já tocava Kraftwerk nos bailes, mas não tinha o mesmo peso de “Planet rock”. Essa coisa de unir a batida de um grupo alemão com a levada do funk de James Brown foi uma sacada de gênio. As pessoas piravam na pista e vinham me perguntar como faziam para dançar aquilo.”
E apesar de tantas mudanças que perpassam o funk nacional, hoje em dia acontece uma espécie de revival. Com a interação contínua da internet, várias influências são absorvidas pelos jovens DJs independentes espalhados pelo país. Para os mais antenados, o chamado Funk Automotivo não é um nome desconhecido, e não é de se surpreender que, em algum ponto, o ciclo iria se completar, e a sonoridade distorcida do sub-gênero iria retomar suas origens industriais. Ao ouvir uma música como Automotivo Pesadelo, do DJ d.silvestre e MC GW, por exemplo, os graves estourados soam quase desconfortáveis, suprimindo os vocais, e essa é a ideia. Como alguém martelando em uma bateria eletrônica distorcida, ainda é perceptível a influências dos robôs alemães.
Se comparado com as tentativas da imprensa da Rainha — ou agora, Rei —, de arrastar o nome alemão na lama nos anos 70, em 2016, o jornal britânico The Guardian fez o que poderia ser considerado, inclusive, uma reparação histórica. A matéria sugere: Kraftwerk é maior que os Beatles? E concordando com a pergunta ou não, já não dá mais para ignorar: Do Boing-Boom-Tschak para o Tchu Tchu Tchá, o quarteto pode não ser o nome mais famoso da música moderna, mas, com certeza, é um dos, quiçá o, mais influente.