Por Maria Clara Estrêla e Nathalia Amaral
Você sabe de onde vem os produtos que consome? Os eventos climáticos extremos mais recentes, como as inundações no Rio Grande do Sul e a maior seca do Nordeste nos últimos 40 anos, são alguns dos alertas de que o mundo está passando por mudanças climáticas relevantes e apostar no uso de produtos que respeitem o meio ambiente e minimizem o uso de recursos naturais é mais que uma bandeira a ser defendida. É garantir o futuro do nosso planeta e das vidas que nele habitam.
Muitas vezes na pressa do dia a dia as pessoas não olham o rótulo nas embalagens daquilo que adquirem. Na hora da compra é mais comum observar o preço do que a composição. Mas você também sabia que o barato pode sair caro? E que investir em produtos naturais e de origem orgânica às vezes sai mais em conta do que comprar produtos artificiais e industrializados?
O Brasil é um país de recursos naturais abundantes e isso é um dos fatores que contribui para a expansão de negócios mais sustentáveis que buscam utilizar como matéria-prima o que a nossa natureza oferece. Está tudo ali à disposição. A questão é saber usar e vender aquele produto, expandir essa ideia e compartilhar sustentabilidade. Os chamados “negócios verdes” têm crescido a nível de Brasil e essa já é uma realidade local também.
São várias as iniciativas piauienses de empreendedores que decidiram investir em produtos sustentáveis para oferecer ao seu público uma experiência diferente e que não afetem tanto o meio ambiente. São negócios que pensam para além daquilo que está sendo comercializado: eles visualizam também o que vem depois. O descarte e, sobretudo, o reaproveitamento.
Mirna Vaz, gestora estadual do Ecossistema de Inovação e interlocutora de Sustentabilidade do Sebrae Piauí, explica que o empreendedorismo sustentável é basicamente a harmonização entre o lucro e a responsabilidade socioambiental. Negócios sustentáveis possuem uma alta competitividade no mercado, porque, atualmente, é isso o que os clientes estão procurando na hora de adquirir algum produto ou serviço.
“Hoje, quem não pensar em sustentabilidade é melhor estar fora do circuito. Você tem uma empresa e tem que pensar de que melhor forma ela vai estar posicionada no mercado. Para ser mais competitiva, sua empresa tem que olhar para todo o ambiente onde está inserida e atuar para melhorá-lo. Ser sustentável é mudar a realidade local, seja combatendo as desigualdades, seja protegendo o meio ambiente”, discorre a representante do Sebrae Piauí.
Os empreendedores brasileiros estão mais conscientes disso e os números atestam a força desta nova mentalidade. A pesquisa Pulsos dos Pequenos Negócios, feita pelo Sebrae com o IBGE em 2022, aponta que 74% das micro e pequenas empresas implementaram, naquele ano, ações sustentáveis como o controle do consumo de energia. Além disso, 65% delas adotaram o controle do consumo de água e a gestão do consumo de papel e em 55% dos pequenos negócios há coleta seletiva de lixo.
O impacto destas ações é ainda maior quando se observa que os pequenos negócios representam quase 90% do total de empresas do mundo segundo dados do próprio Sebrae. É por meio destas pequenas ações que o “futuro verde” se desenha. Esse “repensar ações” já é uma realidade a nível local, ainda que de forma tímida.
Durante a pandemia de covid-19, lá em 2020, a advogada Maxshuellma Rufino decidiu investir em uma mudança de hábito. Durante suas pesquisas para encontrar formas mais saudáveis de se alimentar e, assim, aumentar sua imunidade, ela encontrou a biomassa de banana verde. Aos poucos, ela começou a introduzir produtos feitos à base de banana em sua alimentação diária e não parou mais.
Com o tempo, Maxshuellma entendeu que, se ela podia ter uma alimentação mais funcional, outras pessoas também poderiam. Foi então que a advogada decidiu investir em cursos de capacitação online para se aperfeiçoar na confecção de produtos de biomassa de banana. O intuito inicial era compartilhar conhecimento, mas a iniciativa acabou se tornando um pequeno negócio.
Hoje, Maxshuellma é dona de uma pequena empresa de culinária sustentável que produz doces e salgados à base da biomassa de banana verde. A matéria-prima dos produtos que ela vende é fornecida por um permissionário da Ceasa (Central de Abastecimento do Piauí), que traz as bananas de uma plantação localizada na cidade de Palmeirais. Em geral, um cacho de banana já é suficiente para produzir uma boa quantidade de biomassa que será transformada em uma diversidade de alimentos.
Além das bananas que vêm de Palmeirais, Maxhsuellma também procurou adquirir as frutas cultivadas em outras cidades perto de Teresina para dar início à produção da biomassa. No município de José de Freitas, a empreendedora conheceu mulheres que trabalham no plantio da banana e, a partir do contato com o grupo, pode conhecer mais sobre a fruta e o seu cultivo. Dessa conversa veio a troca de conhecimento e o começo de uma parceria que a advogada pretende manter para expandir sua produção.
“A nossa primeira intenção foi espalhar esse conceito de alimentação funcional, que é algo urgente e necessário. Mas a gente começou a visualizar também essa coisa no sentido social e que isso pode servir de fonte de renda para muitas pessoas. Chegou a um ponto em que eu não conseguia mais segurar sozinha, então comecei a buscar parcerias de pessoas que também pensavam como eu: que você pode agregar valor nutricional e renda para sua família através da biomassa da banana”, explica Maxshuellma.
Hoje, Maxshuellma trabalha com a produção de bolos doces e salgados, brigadeiros, panificação, massas e até com a produção de antepastos tudo à base da biomassa de banana. Nada da fruta é desperdiçado.
À reportagem do Portalodia.com ela explicou que não existe um tipo correto de banana para ser usada na produção da biomassa. Nas palavras de Maxshuellma, “banana é banana”. O importante é que ela esteja verde e crua, ou seja, não tenha passado ainda por nenhum processo químico ou de abafamento para ser transportada para os mercados. Quanto às potencialidades da fruta, elas são as mais variadas possíveis.
“Temos pães feitos de biomassa, nhoque que fazemos com banana verde, da casca nós podemos fazer carne louca, carne desfiada com frango ou até mesmo caponata (antepasto normalmente preparada à base berinjela com cebola, tomate e pimentão) em que dá para substituir a berinjela por banana, por exemplo. Temos tortilhas de biomassa, um produto que chamo de bio-bolo, que é um bolo feito à base da biomassa com farinha de aveia ou de linhaça e sem leite, o brigadeiro com biomassa e cacau. Variedade nós temos muita”, diz Maxshuellma.
Mas para dar um bom retorno e prosperar, um negócio precisa de gestores capacitados. A advogada conta que procura sempre fazer cursos de qualificação para gerir seu empreendimento e melhorar mais sua produção de modo a oferecer um produto com cada vez mais valor agregado. Hoje, Maxshuellma faz um curso de Gastronomia voltado justamente para a culinária sustentável e funcional. O foco é aprender a não desperdiçar e a usar tudo que os alimentos podem fornecer, criando produtos competitivos no mercado que possam verdadeiramente levar o “selo verde” e se destacarem em meio à tanta oferta.
“Nós acreditamos nessa ideia de que, quando você investe em um produto que é totalmente aproveitável, você não estraga nada dele. Você automaticamente está contribuindo para que as pessoas tenham essa noção quando elas consomem o que você vende. Isso cria uma cadeia de mercado sustentável em que, ao invés do descarte, se trabalhe com o reaproveitamento. Costumo dizer que aqui nós trabalhamos com alimentação consciente. Acho que é isso: despertar a consciência das pessoas para ter uma vida mais saudável e tornar o nosso planeta mais saudável também”, diz Maxshuellma.
Sustentabilidade também é inovação e tecnologia
Sustentabilidade aliada à técnica. É assim que pode ser traduzida uma iniciativa piauiense considerada referência na área do conforto térmico e acústico. Criada há somente dois anos, a Buriti BioEspuma é uma startup de Teresina, erguida sobre a base da inovação tecnológica. O empreendimento utiliza como matéria-prima a espuma extraída da palha do buriti para produzir placas de isolantes térmicos e absorção sonora.
Em conversa com o Portalodia.com, o fundador da empresa, Felippe Fabrício, explica que a sustentabilidade é o cerne da Buriti BioEspuma e o principal diferencial da empresa em relação aos concorrentes. É que os outros isolantes térmicos e absorventes sonoros que existem no mercado, segundo Felippe, são feitos à base de petróleo ou demandam um alto custo energético para sua confecção.
“A gente processa a espuma da palmeira do buriti para desenvolver nosso material e é importante destacar que a gente não desmata para ter a matéria-prima. Usamos uma parte específica da folha, que as pessoas chamam comumente de talo, quando ele já está caído no chão ou quando está próximo de cair. Nossa matéria-prima é 100% natural e de origem vegetal, porque nosso foco é justamente o da economia circular”, explica Felippe.
A economia circular que o empresário cita é um modelo econômico que visa minimizar resíduos e utilizar os recursos de forma mais eficiente. Ela vai de encontro ao modelo de economia linear, que se baseia na ideia de “extrair, produzir, usar e descartar”. Os produtos gerados dentro da economia circular são projetados para facilitar a recuperação de materiais e permitir sua reutilização.
Além da reciclagem, a economia linear também trabalha com energias renováveis, cadeias de suprimento circulares, ou seja, o uso eficiente dos recursos em todas as etapas de produção, e inovação e colaboração. No caso dos isolantes térmicos e absorventes sonoros à base da espuma de buriti, essa colaboração se dá a nível local e contribui com o desenvolvimento social de comunidades inteiras.
Por se tratar de uma árvore nativa do Cerrado, a árvore do buriti é abundante nos Estados do Piauí e Maranhão. E é delas que é extraída a matéria-prima para a produção das placas de isolantes térmicos e absorventes sonoros. A Buriti BioEspuma buscou fechar parcerias com fornecedores nas cidades de Palmeirais, a 117 Km de Teresina, e São João do Soter, no Maranhão.
“Pegamos pessoas que às vezes não têm nenhuma renda, mas têm acesso a estes buritis. Nós treinamos esse pessoal e incentivamos a criação das cooperativas. Criamos toda uma cadeia produtiva para que eles se tornem nossos fornecedores. Mas como fornecedores, eles não trabalham só na extração da espuma do buriti. Eles também atuam no pré-beneficiamento do material que vai ser usado por nós”, explica Felippe Fabrício.
A Buriti BioEspuma cataloga as regiões no Piauí e em parte do Maranhão que possuem potencial de fornecimento de matéria-prima para a confecção de seus produtos e, partir disso, mapeia as comunidades que podem contribuir para a extração desse material. A matéria base sai dessas regiões e retorna em forma de emprego, renda e desenvolvimento econômico e social.
Para evitar o desperdício, a empresa não trabalha com estoque, mas vai produzindo conforme a demanda dos pedidos. O único estoque feito é o da matéria-prima da árvore do buriti. Isso, porque, por se tratar de uma planta, o buritizeiro está sujeito às intempéries do clima, o que pode dificultar a extração do material em determinadas épocas do ano. Por exemplo, quando é período de chuvas, as regiões dos buritizais costumam alagar, o que acaba impedindo a extração regular da matéria.
Em geral, o estoque de espuma das folhas do buritizeiro é feito no segundo semestre e calculado conforme a previsão de demanda para o primeiro semestre do ano seguinte, quando boa parte do Piauí e Maranhão está no período de chuvas.
“A base do nosso empreendimento é o ESG. É uma sigla em inglês que significa Ambiente (Environment), Desenvolvimento Social (Social) e Governança (Governance). Como aplicamos isso? Usamos uma matéria-prima 100% natural cuja extração não altera a cadeia ambiental, contribuímos com o social incentivando a geração de emprego e renda nas comunidades de fornecedores, e procuramos resolver uma dor do mercado da construção civil, oferecendo um produto natural com alto desempenho técnico”, finaliza Felippe.
Utilizar em obras painéis e forros feitos com a bioespuma do buritizeiro pode elevar a pontuação do empreendimento no mercado, o que ajuda as empresas do ramo a conseguirem uma melhor certificação e aumentarem sua competitividade no setor, se posicionando como “empresas verdes”.
Aumento da competitividade está diretamente ligado à adoção da Agenda 2030 e da sustentabilidade
A Organização das Nações Unidas (ONU) lançou, nos anos 2000, o Pacto Global, uma iniciativa de sustentabilidade corporativa para que as empresas de todo o mundo alinhem as suas práticas aos princípios universais de Direitos Humanos, Trabalho, Meio Ambiente e Anticorrupção. Quem integra o Pacto Global assume a responsabilidade de colaborar para a Agenda 2030, composta por 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), contribuindo, assim, para a realidade em que as organizações estão inseridas e para o enfrentamento dos desafios da humanidade.
Os ODS englobam vários desafios globais, como pobreza, fome, saúde, igualdade de gênero, educação, energia, crescimento econômico sustentável, entre outros. Uma das metas, por exemplo, é assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis. Isso envolve desde reduzir o desperdício de alimentos até garantir que as pessoas, em todos os lugares, tenham informação relevante e conscientização para o desenvolvimento sustentável e estilos de vida em harmonia com a natureza.
Para se alinhar ao Pacto Global é preciso entender quais são os impactos do seu negócio na sociedade e agir sobre eles. E, engana-se quem pensa que os consumidores não estão preocupados com essas questões. Por isso, para se destacar no mercado e ter lucro é preciso ficar atento às demandas socioambientais e apostar nas melhores práticas de sustentabilidade.
Pensando nisso, vários negócios têm surgido no Piauí com o foco em minimizar os impactos negativos da atividade humana no meio ambiente. Um dos exemplos é a startup Ninho do Verde Compostagem, uma empresa que oferece serviços de compostagem e soluções sustentáveis para residências e empresas.
A empresa faz a coleta, pesagem e compostagem dos resíduos orgânicos, transformando esses resíduos em composto orgânico, substrato da fibra do coco, biofertilizante e fibra do coco. A startup também promove palestras e eventos sobre sustentabilidade e atua diretamente na Gestão de Resíduos, diagnosticando os acertos e erros da gestão e auxiliando na transição para uma destinação ambientalmente correta dos resíduos.
“Todos nós já fomos impactados de alguma forma pelas mudanças climáticas, seca extrema, chuvas intensas e ondas de calor. Tudo isso tem relação direta com a emissão de gases de efeito estufa. A produção e o descarte inadequado de resíduos, especialmente os resíduos sólidos urbanos e plásticos, contribuem significativamente para emissão de gases. A decomposição de resíduos orgânicos em aterros sanitários libera metano, um gás de efeito estufa mais potente que o dióxido de carbono”, explica Lígia Rocha, sócia da Ninho do Verde.
A Política Nacional de Resíduos Sólidos, instituída pela Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010, tem como objetivo principal o gerenciamento dos resíduos sólidos no Brasil. A partir dela foi definido que, além do encerramento dos lixões, é previsto o aumento da recuperação de resíduos para cerca de 50% em 20 anos. Assim, metade do lixo gerado deverá deixar de ser aterrado e passará a ser reaproveitado por meio da reciclagem, biodigestão, recuperação energética e, também, da compostagem.
“Estudos mostram que de todos os resíduos produzidos nas cidades, metade é orgânico, isso quer dizer que se conseguirmos tratar os resíduos orgânicos, estaremos tratando pelo menos metade do problema. É dessa metade que trabalha a solução da Ninho do Verde, tratar os resíduos orgânicos por meio da compostagem, desviando esses resíduos do aterro e evitando a emissão de gases de efeito estufa. Além disso, produzindo um composto orgânico de qualidade”, destaca.
Para difundir o conhecimento adquirido com a startup, a Ninho do Verde também realizou um projeto piloto de compostagem em escolas públicas de Teresina. Ao todo, cinco escolas participaram do projeto dividido em três etapas, iniciando pela capacitação da equipe, passando pela coleta e compostagem dos resíduos e, por fim, o uso do adubo produzido a partir da compostagem para o plantio de árvores.
“Esse projeto de compostagem nas escolas é o pontapé inicial para um município livre de lixões. Uma ideia de baixo custo, grande eficiência e enorme impacto na vida das pessoas. A compostagem atende aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU e, principalmente, aos anseios da população, que busca soluções eficazes e urgentes para o problema de saneamento das cidades”, afirma Lígia Rocha.
Para Mirna Vaz, gestora estadual do Ecossistema de Inovação e interlocutora de Sustentabilidade do Sebrae Piauí, a sustentabilidade precisa estar no DNA de todos os negócios, seja na área da saúde, indústria, serviços, ou qualquer outra.
“É fundamental que a sustentabilidade seja a bandeira dos pequenos negócios. Não tem mais como pensar em qualquer tipo de negócio, seja o serviço ou não, sem que ele esteja associado à sustentabilidade ou sem que esteja preocupado com o quanto essa empresa e as soluções que ela cria podem estar contribuindo para que a sustentabilidade de fato aconteça. Eu diria que a gente não está mais em um momento de sensibilização. O nosso trabalho, agora, é internalizar e ir para a prática”, enfatiza Mirna Vaz.
Por isso, é importante que as empresas estejam alinhadas aos ODS da Agenda 2030 da ONU. A partir deles, a empresa pode estabelecer um plano de ação em sintonia com a ESG e, assim, ter o diferencial para competir com os seus concorrentes no mercado.
“Imagine que você, empresário, adota um dos ODS. Isso abre um leque de intervenções que, muitas vezes, o empresário já está fazendo, já está praticando, mas não coloca isso como o diferencial da sua empresa. O Sebrae tem um portfólio enorme de cartilhas e materiais que disponibilizamos gratuitamente para que os empresários possam ter mais conhecimento e, cada vez mais, se apropriar das boas práticas de sustentabilidade e, assim, diminuir os impactos negativos desse negócio”, diz a gestora estadual do Ecossistema de Inovação e interlocutora de Sustentabilidade do Sebrae Piauí.
Aos interessados em obter orientações de como melhorar a sua empresa, o Sebrae Piauí disponibiliza consultores para dar o suporte e orientação aos empresários de quais práticas sustentáveis podem ser adotadas para que o negócio tenha sucesso.
“Por falta desse conhecimento, muitos negócios estão fechando, porque é o que o público está valorizando. Trabalhar essa cultura também está no DNA do SEBRAE, pra que a gente possa conseguir ampliar essa conscientização da importância da sustentabilidade”, finaliza.