Sumário
....................................................
....................................................
....................................................
....................................................
Mil tons de um espetáculo improvável
....................................................
Asas que ‘avoam’ sobre patas que pisam
....................................................
Harmonia e equilíbrio no Cerrado
....................................................
....................................................
....................................................
....................................................
....................................................
Pau-terrinha (Qualea parviflora, Vochysiaceae), árvore nativa do Cerrado no Brasil. De porte pequeno a médio, com bela copa arredondada e folhas verdes brilhantes. Suas flores roxas e perfumadas atraem uma variedade de polinizadores, como abelhas e borboletas. Seus frutos são pequenos e têm um sabor adocicado, apreciados por aves e animais silvestres. Espécie importante à preservação do Cerrado, à diversidade e ao equilíbrio desse ecossistema.
O filósofo Aristóteles já dizia que “Em todas as coisas da natureza existe algo de maravilhoso”. E Deus foi caprichoso com a região de Paracatu, onde podemos observar uma fauna excepcional que se integra ao ecossistema do Cerrado, um dos biomas mais bonitos e importantes do planeta, além de assegurar o equilíbrio hidrológico do país. A beleza desta fauna reside não somente nas cores, mas também nos detalhes e na diversidade. Estima-se que existam mais de oitocentas espécies de aves e mil e duzentas de peixes (DIAS, 1992), além de treze por cento de todas as borboletas e trinta e cinco por cento das abelhas de toda a Região Neotropical (CAVALCANTI, 2022).
Quando encontramos em nossos monitoramentos internos, realizados em áreas de proteção ou em reabilitação, animais como o Tamanduá-bandeira, o Tatu-canastra, o Lobo-guará e mesmo
espécies menos conhecidas devido a sua quase extinção, como o Cachorro-vinagre (e com filhotes, acredite!), ficamos maravilhados. Nossas áreas de proteção, somadas às áreas reabilitadas e nossas compensações ambientais para o Parque Estadual de Paracatu fazem com que um mosaico de espaços naturais possa garantir refúgio e deslocamento para diversas espécies da fauna. Ao buscarmos proteger essas espécies em nossas áreas, deixamos um legado ambiental importante para a região de Paracatu. Proteger a fauna é fator importante para a sustentabilidade e temos orgulho de fazer parte desta história.
Alessandro Lucioli Nepomuceno, Diretor de Sustentabilidade e Licenciamento Kinross Brasil Mineração
Era um daqueles dias secos, um tanto sufocantes para os não acostumados. Até onde a vista pudesse alcançar, o tom da vegetação lembrava um cenário de filme em tom sépia, com o verde esmaecido pela ausência de chuvas e cada espécie buscando sua própria forma de lidar com a escassez de água e com a baixa umidade do ar. No Cerrado já se espera por isso. A estação seca, entre maio e setembro, modifica a paisagem. Ela se torna um tanto estranha a quem não vive naquele espaço. Como se a vida fosse suspensa. É um engano, obviamente, mas é uma sensação ampliada pela baixa umidade do ar, que geralmente costuma ficar entre 15% e 30%. Quem não está familiarizado pode estranhar. Este clima seco é um problema para a vegetação do Cerrado, pois favorece a ocorrência de incêndios.
Mas, naquele dia, a discussão, com tons de surpresa e animação, feita entre a equipe coordenada pelo biólogo Osmar Alves Ferreira não foi exatamente sobre riscos de incêndio ou qualquer outra ‘ameaça’ ao bioma.
O assunto dominante era uma das diversas imagens captadas pelas ‘câmeras trap’, também conhecidas como ‘armadilha fotográfica’, uma câmera ativada de forma remota e equipada por um sensor de movimento, geralmente infravermelho. São usadas para capturar fotos ou filmes de animais selvagens, sem a presença humana. Há décadas são parceiras indispensáveis a pesquisadores ambientais por sua presteza em detectar evidências de animais, espécies raras, estimar riqueza de espécies assim como uso de habitat de animais.
O que os pesquisadores viram ao fazer o monitoramento em época de seca em uma das reservas legais da Kinross, na reserva de São Domingos, poderia ser brindado com um vinho de boa safra. Um grupo de cerca de cinco cachorros-vinagre atravessa tranquilamente uma estradinha da reserva. Os animais saíram de uma área mais fechada do Cerrado, entraram na estradinha e seguiram seu percurso, possivelmente em busca de caça.
Se contada em uma roda de amigos, essa captura fotográfica pode parecer prosaica, insignificante até, mas representava à equipe a plena certeza do caminho certo em relação a questões maiores como preservação de espaços ambientais naquele território fincado em Minas Gerais. Afinal, o cachorro-vinagre é, entre os canídeos parentes mais próximos, como o lobo-guará, o cachorro-do-mato e a raposa-do-campo, a espécie mais ameaçada, seja por queimadas, desmatamento e pela redução da população de suas presas. Além disso, é suscetível a doenças que infectam cachorros domésticos, o que aumenta ainda mais o risco à sua preservação.
E lá estava, à frente da equipe, em imagens incontestáveis, um grupo saudável, em plena atividade. Como sabem os pesquisadores, raramente o cachorro-vinagre é visto sozinho, sendo a única espécie de canídeo selvagem do Brasil que vive em grupos, que podem chegar até a 12 animais.
A equipe da Kinross tinha a plena consciência de não ser a primeira a se deparar com aquele animal de aparência estranha aos olhos comuns, afinal, o primeiro registro da espécie havia sido em 1842, quando cientistas pesquisavam fósseis em cavernas brasileiras. Algum tempo depois, encontraram-se animais vivos e o cachorro-vinagre passou a fazer parte do conhecimento humano. O que ‘empolgava’ Osmar e a equipe era a certeza de que não seriam os últimos a constatar a resiliente sobrevivência de uma espécie frágil e criticamente ameaçada de desaparecer.
Para a Kinross, o cachorro-vinagre, que leva esse nome por conta do forte cheiro avinagrado de sua urina, reforça a importância do manejo em reservas ambientais e as ações preventivas nessas áreas, como o cercamento, a não retirada de madeira, a proteção às águas e às diversas espécies animais e vegetais do Cerrado.
Um trabalho que iniciou já há alguns anos. Mais precisamente em 2006.
Desde quando iniciou a implantação do Projeto Morro do Ouro, em meados de 1985, até o início da lavra, beneficiamento e hidrometalurgia do minério em dezembro de 1987, a Rio Paracatu Mineração (RPM), posteriormente adquirida pela Kinross (2005), tinha um desafio a suplantar. O município de Paracatu, em Minas Gerais, onde ocorre a extração do minério, está inserido no Bioma Cerrado, e como acontece em praticamente todos os biomas brasileiros – ricos em diversidade – o Cerrado vem sofrendo uma progressiva substituição das paisagens naturais por conta dos massivos efeitos de atividades antropomórficas. O desafio era – e é – fazer um intenso monitoramento da biodiversidade, principalmente em relação à fauna, já que muitas espécies de vertebrados (peixes, anfíbios, répteis, aves e mamíferos) são importantes bioindicadores de qualidade ambiental.
Uma das grandes questões, como enfatizam os especialistas em meio ambiente da empresa, é que não se torna suficiente apenas realizar o registro desses animais em uma área específica, mas sim efetivar um monitoramento contínuo, possibilitando identificar a presença de populações desses animais e compreender como essas populações reagem às alterações feitas pelos humanos em seu habitat ao longo do tempo.
Como não é possível existir uma atividade humana sem impacto sobre o ambiente ao redor, uma das formas encontradas pela empresa para reduzi-lo sobre a fauna local tem sido o monitoramento sazonal e o acompanhamento rotineiro da fauna terrestre e aquática nas áreas internas do empreendimento e seu entorno. É uma forma de se obter informações mais completas a respeito das espécies animais no local e sua absorção dos impactos do empreendimento. Em outras palavras: entender o contexto para efetivar ações de proteção a essa fauna nativa.
Não seria um exagero afirmar que a semente para a criação do Plano de Manejo do Parque Estadual de Paracatu tenha sido lançada a partir desses primeiros movimentos, mesmo que não oficialmente, já que a elaboração efetiva desse Plano de Manejo só surgiria um ano depois, em 2007, lembrando que em 2006 a Kinross iniciou o projeto de expansão da mina.
Como foi planejada uma nova barragem de rejeitos, há previsão em lei de criação de unidade de conservação, por exemplo, como compensação florestal minerária. Em Paracatu já existia uma área de proteção especial para os recursos hídricos. Surgiu a ideia de um parque estadual. A Kinross propôs essa forma de compensação.
Esse talvez seja um dos caminhos mais adequados nesse sentido, já que por sua própria origem legal o objetivo primordial dos Parques é a preservação de ecossistemas naturais de grande importância ecológica e beleza natural. É um espaço adequado a pesquisas científicas e desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, recreação em contato com a natureza e um potencial recurso ao turismo ecológico.
Parques – tanto estaduais como federais – fazem parte do que se chamam Unidades de Conservação (UCs) de proteção integral, uma das maneiras mais eficazes para conservar a biodiversidade, os recursos naturais e as águas dos quais a vida depende. É um, por assim dizer, investimento no futuro, pois a ideia geral a ser pensada é na garantia do acesso das gerações futuras aos recursos e benefícios gerados pelo meio ambiente.
No caso de Minas Gerais, onde está localizado o Parque Estadual de Paracatu, há inclusive uma lei estadual (Lei n0 20.922, 16 de outubro de 2013) que versa sobre a Política Florestal e de Proteção à Biodiversidade no Estado, no qual as atividades mineral e agropecuária sempre se mostraram relevantes para a economia, Minas criou a lei visando preservar não só espécies animais e vegetais, mas também os recursos hídricos. E isso é extremamente necessário ao abastecimento de água da cidade de Paracatu, por exemplo.
O Parque Estadual de Paracatu (PEP) faz parte do chamado grupo das Unidades de Conservação de Proteção Integral. Criado em 2011, abrange 6.400 hectares e está distante apenas 30 km do centro do município de Paracatu.
Sua história remonta ao final da década de 1990 e está gravada na memória de um de seus maiores entusiastas, Antônio Eustáquio Vieira, o Tonhão, Biólogo de formação e ambientalista devotado. Em 1989 o governo de Minas criou uma área de proteção especial de 22 mil hectares, com a intenção de proteger os mananciais hídricos, abundantes e fundamentais para aquela região. Só que não houve desapropriação de terras e a área não teve efetivamente a ‘proteção especial’ que lhe cabia.
Em 2008 a Kinross licenciou a Barragem de Eustáquio. Foi quando em Tonhão floresceu a ideia de se criar uma unidade de conservação. Oficialmente, para se criar uma UC é necessário que o Estado assuma esse compromisso e desaproprie as terras. No caso em questão, a Kinross optou por comprar o terreno e doar para o Estado implantar a Unidade de Conservação. A ideia foi levada por Tonhão ao empreendimento e foi encampada com entusiasmo. Com o governo estadual, a aceitação também foi quase imediata. Alinhados os interesses comuns, um grupo técnico se deslocou a Paracatu. Constatou-se em sobrevoo sobre a área que daqueles 22 mil hectares adquiridos pelo governo mineiro pelo menos uns 15 mil hectares mostravam-se ideais para uso integral. Depois Tonhão coordenou uma equipe por terra que piquetou a área.
Ao adquirir as terras e repassá-la ao Estado, o empreendimento constatou faltarem recursos para investimento. O problema foi sanado por um viés na lei que permitiu à Kinross investir diretamente no parque. O projeto é ambicioso: trilhas modernas e interativas, internet em todo o parque, refeitórios, casa para receber pesquisadores, visitação, lojinhas. Dos 4 mil hectares previstos inicialmente para o parque, foram anexados pouco mais de dois mil hectares adquiridos pelo empreendimento.Em 25 de março de 2011, foi publicado no Diário Oficial de Minas Gerais. Era oficial: 6.400 hectares de terra seriam adquiridos pelo empreendimento e repassados ao estado para gerir. O empreendimento passou a fazer adaptações para que o espaço tivesse cara de parque. Já foram feitas várias melhorias de infraestrutura e já existe o Plano de Manejo, que mostra o que o parque precisa para ser sustentável. Foi criado o Conselho Consultivo, no qual a Kinross tem assento. São quatro reuniões anuais.
Apesar do parque ainda não receber visitantes oficialmente, já está estruturado para algumas atividades de educação ambiental, com escolas do município, e também alguns eventos como a caminhada ecológica, observação de aves, pedal do Cerrado e, anualmente, uma corrida rústica próximo ao Dia Mundial da Água.
O parque está inserido no Bioma Cerrado e entender o que representa esse bioma para o país é fundamental para a integral compreensão da necessidade de sua preservação.
É o que se pretende aqui.
Água, caixa d’água, chuva cerrada
Começa aos poucos. No horizonte vê-se nuvens se formando, mudando tonalidades. Um cinza mais escuro, um aglomerar-se tom de chumbo. De início, uns chuviscos, uma chuva mais fina, ainda tímida, buscando situar-se no tempo e no espaço.
Os animais farejam. Sentem. Aguardam. A vegetação se prepara. Flores darão lugar a frutos. Outra paisagem irá se formar. É o ciclo esperado, embora ameaçado, tolhido, diminuído.
Mas a chuva vem. Chega forte, com seus sons peculiares no solo, trazendo um cheiro de terra molhada que invariavelmente leva qualquer um a pensar na infância, mesmo que nunca tenha vivido dessa forma.
A ventania assusta. Os rios ganham volume, força indomável da natureza. E a vida viceja.
Em busca de explicações e de sentido para as coisas, as pessoas começaram a apelidar o Cerrado de “caixa d’água do Brasil”. E se há uma imagem metafórica mental a ser feita, é esta. Um imenso reservatório a guardar água, a escoar água, a preservar água. Este é o Cerrado.
Não é uma expressão aleatória. A área abriga nascentes ou leitos de rios de oito bacias hidrográficas dentre as doze que existem no país. Sem as águas do Cerrado, o Brasil desertifica-se.
E é o fato de estar numa situação geográfica peculiar que faz o Cerrado ter essa primordial função ambiental. São dois fatores: a posição e o relevo. O Cerrado encontra-se em uma região central do território brasileiro. Se está no centro, centraliza, por óbvio. As bacias hidrográficas entenderam o recado. E ali se harmonizaram.
E é uma região de planaltos, grandes altitudes. Águas que ali nascem escoam para outras regiões, numa distribuição adequada de recursos hídricos. O Rio São Francisco, por exemplo, possui a maior parte de suas nascentes situadas no Cerrado. Não é o único. A bacia dos rios Paraná e Paraguai também se originam nesse bioma.
E para não restar dúvidas, alguns dos mais importantes rios brasileiros possuem nascentes no Cerrado:
- Rio Xingu (Bacia Amazônica)
- Rio Tocantins (Bacia do Tocantins-Araguaia)
- Rio Araguaia (Bacia do Tocantins-Araguaia)
- Rio São Francisco (Bacia do São Francisco)
- Rio Parnaíba (Bacia do Parnaíba)
- Rio Gurupi (Bacia Atlântico leste ocidental)
- Rio Jequitinhonha (Bacia do Atlântico leste)
- Rio Paraná (Bacia do Paraná)
- Rio Paraguai (Bacia do Paraguai)
Na região noroeste de Minas Gerais, temos o Rio Paracatu, com seu grande volume colocado no Rio São Francisco. É um rio ameaçado, muito bonito. E fundamental para a região.
E assim como no Cerrado se diz que há uma floresta embaixo da terra, pode-se afirmar que o mesmo ocorre com as águas, que possuem papel importante também para o abastecimento de aquíferos. O maior exemplo talvez seja o Aquífero Guarani, que abrange parte da América do Sul.
É preciso um pouco de didatismo para desvelar esse processo. O ciclo hidrológico inclui evaporação, transpiração, precipitação, escoamento superficial, infiltração e escoamento subterrâneo. A água dos oceanos e corpos d’água evapora, formando nuvens, que desaguam em forma de chuva, neve ou granizo. Ao atingir o solo, a água pode escoar superficialmente até os corpos d’água ou buscar caminhos interiores até o lençol freático. No Cerrado, o subsolo apresenta grandes reservatórios subterrâneos.
Desnecessário (ou ao contrário, é imperioso ressaltar) afirmar que a manutenção de reservas hídricas subterrâneas depende da sustentabilidade do Bioma.
Para o presente e futuro, torna-se necessário enfatizar que não é possível elaborar qualquer plano de conservação dos recursos hídricos do Brasil sem colocar em destaque um plano de preservação do bioma Cerrado, um dos mais ameaçados no território brasileiro.
Quando se reavalia que o Cerrado é um complexo de formações vegetais (campos naturais, savanas, veredas e florestas com a presença de rios, córregos e cachoeiras) e uma área geográfica de planaltos, entende-se o quanto esse bioma é uma das mais importantes fontes de água para o país.
Nos últimos anos, têm-se constatado a diminuição de reservatórios e da vazão de cursos d’água. É um caminho sem volta? Pode ser, caso não se atente aos diversos e delicados problemas relacionados a essa questão aquífera.
Afinal, estamos falando de água. Águas cristalinas, correntes, águas que se encontram, formam cachoeiras e lagos, irrigam roças, saciam a sede de moradores, mas também de águas que podem se tornar impuras, caso não sejam respeitadas determinadas regras para seu uso em grandes extensões de áreas de agricultura, águas represadas. Águas cerradas, não encerradas em si mesmo.
Os últimos sinais do sol ainda se fazem notar ao longe. Uma pintura no céu, borrando a paisagem com tons avermelhados, quase laranjas. Um pouco como a pelagem do animal que, orelhas grandes atentas, perscruta o ambiente ao redor. O lobo-guará sente chegar o momento ideal. É instintivo, um ensinamento passado evolutivamente geração a geração. É um espécime forte, macho adulto. O lobo volta o olhar para a toca. Um dos dois filhotes, com a pelagem ainda preta, faz um pequeno ruído, enquanto se aninha ainda mais à mãe.
Um ligeiro vento crispa os pelos do lobo macho. Acima dele, a lua nova que toma o lugar do sol, é apenas um aro. As estrelas começam a atapetar o céu. O lobo fareja o ar. Talvez já seja o momento. Ele irá iniciar sua jornada noturna. Precisa alimentar a si e a mãe de seus dois filhotes. A noite libera sons. Um novo turno de vida inicia. O lobo sai.
Ao longo do caminho, o lobo-guará vai em busca de um fruto que representa praticamente metade de sua dieta, o fruto da lobeira (Solanum lycocarpum), uma planta pioneira, de crescimento rápido e que produz frutos grandes e muito apreciados pelo lobo-guará. Saciado, o lobo-guará renova energias e consegue caçar um pequeno roedor, levado para a fêmea na toca.
A relação entre o lobo-guará e a lobeira é uma espécie de síntese da interdependência entre espécies animais e vegetais do Cerrado e um exemplo de como esse bioma é frágil se não cuidado de forma adequada.
A lobeira fornece alimento ao lobo-guará, mas recebe algo em troca, a dispersão de suas sementes. Isso porque, após comer o fruto, o lobo-guará defecará as sementes da lobeira pelo seu caminho. Para quem não teve a oportunidade de conhecer o Cerrado, a lobeira é uma árvore baixinha, com altura de no máximo cinco metros. É uma espécie muito resistente e uma das primeiras a surgir em uma área degradada, com solos erodidos e ácidos.
Ela é vital para o lobo-guará que, por sua vez, é fundamental para a lobeira. É um ciclo. O lobo come os frutos, que além de nutri-lo eliminam vermes, em especial um bem frequente que ataca seus rins e em muitos casos pode ser fatal.
O lobo-guará tem por hábito depositar suas fezes praticamente em cima de cupinzeiros ou formigueiros para demarcar seu território. Cupins e formigas agradecem o ‘presente’ e carregam as sementes contidas nas fezes para o fundo de seus túneis. As sementes brotam e crescem fortes. Em pouco tempo, a lobeira começa a atrair outras espécies de animais, que por sua vez trazem mais sementes que germinam e crescem protegidas pela arvorezinha e, assim, aos poucos, a paisagem vai se transformando. Em resumo, sem lobos-guarás, lobeiras, cupins e formigas, provavelmente não se tem a vegetação do Cerrado.
E é essa interdependência entre as espécies que torna o Cerrado ainda mais ameaçado e o desequilíbrio pode ser fatal.
Mas afinal, o que é o Cerrado, esse ilustre (des) conhecido?
Em resumo e para situar o leitor, basta dizer que o Cerrado é uma das maiores savanas tropicais do mundo e a segunda maior formação vegetal da América do Sul. Essas duas informações já bastariam para demonstrar a importância desse bioma. Mas pode-se acrescentar, ainda, que o Cerrado é um complexo de formações vegetais, que inclui áreas campestres, savânicas e florestais.
São quase dois milhões de quilômetros quadrados que ocupam a porção central do território brasileiro, ou seja, mais de 20% do território nacional. E é um bom vizinho, pois tem contato com a Amazônia, a Caatinga, a Mata Atlântica e o Pantanal. É uma espécie de elo a unir esses outros biomas.
O verde pode até não ser abundante, a cor é outra, mas o olhar aos poucos vai se acostumando com as tonalidades diferentes. No entanto, na estação chuvosa a paisagem se transforma e o verde sobressai. O Cerrado “troca de roupa”.
No Cerrado, o que chama de cara a atenção é a quantidade de ruídos. É como se a vida estivesse nos sons e não nas imagens. São os sons do Cerrado, sempre inspiradores.
A savana do Cerrado sempre gerou um certo desprezo. É como se fosse o primo pobre da natureza brasileira. O que o olhar não valoriza, preocupa-se menos. O impacto humano na savana do Cerrado só se ampliou da construção de Brasília aos dias de hoje.
Há algo também que ‘atua’ contra o Cerrado na visão leiga. Na Amazônia a biomassa está por cima do solo. As portentosas árvores criam um imaginário ativo, um imenso tapete verde florestal. No Cerrado, o buraco é literalmente mais embaixo. É como se fosse uma floresta de cabeça para baixo. Há raízes que se aprofundam até 15 metros para chegar à água. Ou seja, o Cerrado estoca carbono debaixo da terra.
Há muitas flores no Cerrado. Muitos tons. Isso porque, já sabemos, o Cerrado possui características climáticas bem peculiares. São duas estações bem definidas. Uma chuvosa, que se inicia entre setembro e outubro e se estende até março e abril. Entre novembro e janeiro a chuva é mais generosa. Depois é que vem uma estação seca. Onde as chuvas se tornam lenda, uma lembrança. É nesse longo período de estiagem que costumam ocorrer incêndios. O problema é que se antes isso era um fenômeno natural, agora cada vez mais se percebe a ação humana por trás. O ciclo está se alterando. As estações chuvosas estão menores e a seca maior, consequência direta também das mudanças climáticas que cientistas vêm alertando há tempos.
Mas no cotidiano do Cerrado é a noite quem transforma o ambiente. É quando o negrume noturno dá lugar à potência solar em que a vida ganha outros contornos. E se vê, por exemplo, os cupinzeiros, como grandes edifícios urbanos, iluminarem-se de pontos verdes, como janelas abertas. São os cupinzeiros bioluminescentes. Os pontos luminosos são emitidos pela larva do besouro (Pyrearinus termitilluminans), o popular vaga-lume. A luz emitida pelas larvas atrai insetos voadores, dos quais elas se alimentam.
Mas antes que as luzes se acendam nesses condomínios naturais, sapos avisam da chegada da noite. Pode-se dizer que os sapos são os anunciadores do crepúsculo. Não nos esqueçamos. O Bioma Cerrado é a savana mais rica em anfíbios do mundo. Mas não só. Alguns pássaros noturnos soltam o canto nas noites estreladas e beija-flores sugam flores em um balé para poucas testemunhas.
Os apaixonados por esse lugar costumam lhe dar o nome de bioma-jardim-pomar. Não é um exagero. Ao se transitar entre as árvores tortuosas do Cerrado, vivo, belo, cheio de cores e cheiros, pode-se colher frutos diversos: jatobá, pequi, guariroba, mangaba, araticum, cajuzinho, cagaita. Se causam estranhamento aos que não estão acostumados, mostram-se promissores em sabores e experiências gastronômicas.
Na verdade, a diversidade de odores, sabores, cores e formas que se tem ao adentrar o Cerrado nada mais é que a prova da riquíssima biodiversidade de sua flora, que possui quase 13 mil espécies de plantas, segundo levantamento feito pela Embrapa, das quais a metade são consideradas endêmicas, ou seja, exclusivas da região.
Além de abrigo-jardim-pomar, o Cerrado é cientifica e popularmente chamado de “berço das águas”. São nada menos que três grandes aquíferos, além de ser a fonte de água de três importantes rios da América do Sul, o Paraná-Paraguai, o São Francisco e o Tocantins. Em outras palavras, o Cerrado é responsável por milhões de vidas que nascem, crescem, reproduzem, florescem, frutificam, criam e morrem neste bioma-berço d’água.
Um dos apaixonados por esse bioma é o engenheiro agrônomo Paulo Sérgio Cardoso Vale, o Poloca, um homem já curtido em suas seis décadas de vida. Coordenador de áreas protegidas da região Noroeste de MG, pelo Instituto Estadual de Florestas (IEF), Poloca diz que há um potencial enorme, a partir dos frutos do Cerrado, para a agricultura familiar. Mas como tantos pesquisadores, já constatou que as principais políticas públicas brasileiras se voltam à Amazônia e à Mata Atlântica. Há uma lógica, ele entende, pois toda a expansão brasileira foi atacando a Mata Atlântica. Ainda assim, ele afirma que o descaso com o Cerrado é pura falta de conhecimento. “Não há tanta água como no Cerrado. É uma área de recarga de chuva, de muito boa qualidade. Nascentes pequenas, mas bem conservadas”, ele diz. “Faltam, além de pesquisas, mais estudo e se entender melhor as qualidades desse bioma”.
“As pessoas precisam valorizar um parque como esse que temos em Paracatu. Que a população conheça o parque. Sabemos que o Cerrado é pouco conhecido. Acredito, por exemplo, no futuro das pesquisas com as plantas medicinais”.
São desafios que o Cerrado impõe ao futuro. Conhecê-lo e valorizá-lo. Não extingui-lo.
Pedras que cavam caminhos e histórias
Treze mil anos atrás agrupamentos humanos já percorriam o Cerrado. É fascinante deixar a imaginação se embrenhar junto com esses passos que buscavam a sobrevivência em um bioma tão diferente do atual.
Foram os vestígios desses humanos que originaram a expressão Homo-cerratensis, criada pelo pesquisador Paulo Bertran, depois da descoberta de um esqueleto do sexo masculino no Planalto Central. Seria o esqueleto humano mais antigo das Américas.
E qual paisagem se descortinava à frente desse e de outros seres que compartilhavam do mesmo espaço físico? Sabe-se que o Planalto Central tem algumas das rochas mais raras do mundo. O que isso significa? Segundo pesquisadores, a composição geológica do Cerrado é consequência da extinção de um oceano e de uma cordilheira presentes na geografia do território brasileiro.
São histórias contadas por tudo o que o Cerrado testemunhou e deixou como pistas. Nesse imenso território estão situados mais de 2.700 sítios arqueológicos. Em alguns deles, descobriram-se vestígios da presença humana há mais de 25 mil anos.
Para quem se impressiona com as múltiplas paisagens oferecidas pelo Cerrado, é importante, segundo a Embrapa, reconhecer que elas são o resultado das formações geológicas que compõem uma
geodiversidade formada por rochas de variadas composições e origens, que começaram a se formar há milhões de anos.
E essa paisagem foi se modificando gradualmente. Chuvas, ventos, calores intensos, tempestades, mudanças climáticas. Os solos e as rochas foram se transformando, se adaptando à passagem do tempo. É um processo contínuo, embora, nos tempos atuais, a influência humana esteja sobrepujando a força natural dos acontecimentos.
Jatobá (Hymenaea stigonocarpa, Fabaceae), imponente que se destaca na paisagem com suas folhas verde-escuras e sua casca rugosa.
Pequizeiro (Caryocar brasiliense, Caryocraceae), árvore símbolo do Cerrado, seus frutos amarelos e espinhosos abrigam uma polpa aromática e saborosa. É um tesouro gastronômico e um importante componente da biodiversidade, representando a riqueza e a resiliência desse ecossistema único.
Gentes
Apanhadoras de flores Sempre-viva, veredeiros, quebradeiras de coco, rezadeiras, quilombolas, agroextrativistas, vazanteiros, gerazeiros. Tanto quanto de uma paisagem de fauna, flora e formação geológica, o Cerrado se caracteriza por pessoas que ali plantaram suas raízes, solidificaram tradições, embeberam-se da vida oferecida pelo bioma e criaram culturas harmonizadas com o ambiente.
As áreas de campo rupestre fizeram surgir os gerazeiros, cuja identidade está umbilicalmente ligada a vínculos de pertencimento a esse pedaço de chão.
Essas comunidades vivenciam suas territorialidades com pequenas atividades agrícolas regidas pelas estações do ano. O saber tradicional repassado de geração a geração convive com a cheia e a vazante dos rios. Sabedoria herdada de povos ancestrais. As águas do Cerrado são parte não apenas do território, mas do modo de vida dessas comunidades. É no movimento dos rios que surge o sustento, o pescado, a roça, o pastoreio. Algumas comunidades, como os veredeiros, moram próximos dos cursos dos rios, das nascentes, em áreas inundáveis.
Outras recorrem às chapadas, abundantes em buriti, árvore-vida. O buritizeiro fornece tudo ou quase tudo. Auxilia na construção de casas, cede matéria-prima para a produção de sabão, o óleo e a castanha irão à cozinha. As cascas viram carvão, folhas se tornam cestos. O buriti trouxe às mulheres mais do que uma atividade econômica. Trouxe organização coletiva e independência financeira, além de uma identidade político-social.
O Rio São Francisco, o Velho Chico, fez surgir os vazanteiros, um povo que vive com e para o rio. Manejam os lameiros fertilizados que o rio entrega, tiram o sustento da pesca e do extrativismo.
São comunidades integradas ao Cerrado. Testemunham e tensionam sua transformação. E rezam. As rezadeiras enovelam as almas simples. Trazem para perto Deus, santos, animais, plantas, seres humanos, elementos naturais e sobrenaturais, simpatias, benzeções, ritos de festa e dor, de congraçamento e consolo.
São as gentes do Cerrado. De pele curtida, indígena, cabocla, negra. De Vozes seculares, ancestrais. Que ao final de um dia de labuta, podem ainda sentar na porta de casa, sob a luz da lua e contar histórias de um tempo vivido e planejar um futuro por vir.
Detalhe da paisagem do Parque Estadual de Paracatu.
Sucupira (Pterodon pubescens, Fabraceae), imponente, de flores roxas, tronco resistente e durável. Espécie marcante do Cerrado no noroeste de mineiro. Seus frutos característicos, ricos em sementes oleaginosas, são apreciados pela fauna da região.
Paisagem, lunar, deslumbrante, da Reserva Córrego Rico.
Os cupinzeiros desempenham um papel vital no Bioma do Cerrado, fornecendo abrigo a uma variedade de espécies de animais, desde pequenos insetos até mamíferos. Além disso, a construção dos cupinzeiros contribui para a fertilidade do solo, promovendo a ciclagem de nutrientes e a manutenção da biodiversidade característica desse ecossistema.
Os baixios, áreas deprimidas ou planas encontradas no Bioma do Cerrado, desempenham papel importante no ciclo hidrológico, atuando como áreas de armazenamento de água durante o período chuvoso e liberando-a gradualmente durante a estação seca. Além disso, os baixios do Cerrado abrigam uma diversidade de plantas e animais adaptados a essas condições específicas, contribuindo para a riqueza ecológica dessa paisagem singular.
O ninho da pomba-asa-branca (Patagioenas picazuro, Columbidae) é construído em árvores ou arbustos, geralmente em locais protegidos e de difícil acesso. A pomba-asa-branca é espécie adaptável e comumente encontrada em áreas urbanas.
Momento do dia no Parque Estadual de Paracatu.
Momento do dia no Parque Estadual de Paracatu.
Guatambu (Aspidosperma macrocarpon, Apocynaceae), árvore nativa do Brasil, se destaca pelo seu porte imponente e bela copa arredondada. Suas folhas são perenes e suas flores, de cor branca, atraem a atenção de polinizadores.
Quantos tons de marrom ou cinza você, leitor, acha que pode identificar? Se não tem a resposta, imagine que no Cerrado existem mais de 50 tons dessas duas cores. É um desafio para olhos não acostumados. O Cerrado rompe paradigmas sobre a fartura de cores num período de ‘seca’. Sim, é nessa estação que, por surpreendente que seja, as cores explodem em mil tons, ainda que de forma fugidia, rápida. É justamente na paisagem árida, empoeirada e retorcida do Cerrado, que a dominância das cores se impõe.
Nesse período é bom esquecer a imagem criada de se deparar com plantas raquíticas, sem vida e sem cor. É nesse momento, ao contrário, que surgem dezenas, centenas, milhares de pontos vibrantes de amarelo, branco, roxo e cor-de-rosa rompendo uma possível (e falsa) monotonia da paisagem.
Ipê, louro branco, cega-machado, amargosa, caliandra, cipó-de-ouro. Mais uma vez: nomes aqui podem causar estranhamento, mas são reis e rainhas de uma paisagem que arrebata a visão. Se os sons do Cerrado criam uma cacofonia sonora diversa aos ouvidos, os tons arrebatam e dão novos sentidos ao exercício do olhar.
Na seca as árvores perdem as folhas e ganham flores. E isso pode surpreender a quem não conhece essa dinâmica. Como é possível, pensamos, que justamente quando as chuvas são escassas é que as flores surgem vivazes?
São os mecanismos evolutivos do Cerrado. Certamente a natureza levou milhões de anos a encontrar esse equilíbrio. As paletas de cores se ajustam às necessidades da flora do bioma. Assim elas se reproduzem e se mantém vivas, apesar, como sempre, das ameaças constantes a esse equilíbrio.
Mas, no fundo, não é tão complicado assim entender essa dinâmica. Ao perder as folhas durante o período de seca, as árvores economizam água e ao fazerem isso conseguem ter força suficiente para gerar flores, frutos e sementes, necessárias para a reprodução das espécies. E ao florescer na estação seca, as sementes estarão aptas a germinar quando se iniciar o período das chuvas. Ou seja, estarão maduras no momento em que a água passa a ser mais abundante. É assim que ocorre há pelo menos uns cem milhões de anos, calculam pesquisadores.
É na seca que a diversidade de cores explode. Mas não é um espetáculo permanente. As flores surgem e desaparecem numa velocidade impressionante. Há espécies em que as flores duram no máximo 15 dias. A cega-machado é uma delas.
É um ciclo. Frágil, mas vital.
E se animais como o lobo-guará ou o cachorro-vinagre podem ser considerados espécies de símbolos da fauna do Cerrado, no quesito flora talvez quem possa reivindicar esse título seja a Caliandra-do-Cerrado, que se espalha tão intensamente que para muitos pode, sim, ser considerada o símbolo do bioma.
Ela costuma espalhar suas cores na paisagem principalmente no verão, mas só durante o dia, já que as flores da espécie se recolhem no escuro. Os poetas da região sempre louvam a Caliandra como “a mais bela flor que enfeita os campos secos do Cerrado”.
Já entre as árvores de maior porte, uma das árvores que se sobressai é o pequi, que pode chegar a mais de 10 m de altura, mas como não foge à regra de grande parte das plantas do Cerrado, pode crescer mais de 20 metros embaixo da terra. Lembremos da ideia de ‘floresta debaixo da terra’.
Para além do fruto, o pequizeiro também se destaca pelas flores, que combinam grandes pétalas branco-amareladas com numerosos estames nos mesmos tons. Estames, para quem é leigo, pode ser explicado como o órgão masculino das plantas
O pequizeiro tem o auge de sua florada no tempo seco, entre agosto e novembro, com ápice em setembro. Não é à toa, obviamente. O objetivo é que no momento em que as chuvas retornem os galhos do pequi estejam repletos de frutos. Animais como a cotia agradecem. Depois, esses mesmos animais que se alimentam do fruto assumem a tarefa de espalhar as sementes Cerrado afora. E quem já viu o pequizeiro forrado de flores não esquece o contraste causado na paisagem. O violeta quase rosa do botão das flores e o branco e amarelo das flores em si com a tonalidade marrom do campo seco em volta.
É uma paisagem rica e única. E que reforça a importância, por exemplo, de se entender que a vegetação nativa cumpre importante papel para o reaparecimento das espécies, tanto vegetais como animais. É um quebra-cabeça harmonioso, fascinante de acompanhar e conhecer.
O visitante desavisado pode até se decepcionar um pouco, mas o Cerrado, apesar de sua riqueza de fauna e flora, não é muito generoso ao olhar não treinado, aos passos descuidados.
Em resumo, há sim uma grande variedade de animais de porte médio e grande. Podemos listar, além do lobo-guará, a onça-pintada, o tatu-canastra, veado-mateiro, raposa-do-campo, gato-do-mato, macaco-prego, tamanduá-bandeira, lontra, catitu, queixada, paca, cotia, cachorro-vinagre dentre muitos outros animais terrestres. Não está ainda a se falar de aves, répteis e anfíbios.
Mas o fato é que não se espere entrar numa área de Cerrado e se deparar tão facilmente assim com um desses animais, principalmente com mamíferos, pois em sua maioria estarão refugiados em áreas bem conservadas, onde podem manter o seu sustento. Animais de grande porte evitam a presença humana. Tem lá suas razões. São ariscos.
Eles podem ser difíceis de se ver no Parque, mas são monitorados lá dentro. E algumas situações têm sido comemoradas. É possível, por exemplo, observar durante o dia animais de hábitos noturnos como o tatu-canastra. Isso indica que ele está em um ambiente protegido. Essas espécies que o empreendimento está registrando estão todas em extinção, incluindo médios e grandes mamíferos. As áreas são refúgios para esses animais.
É o que certamente possibilitou o reaparecimento do cachorro-vinagre. Quando os pesquisadores da Kinross detectaram o registro do cachorro-vinagre, isso só reforçou o pensamento sobre a importância do manejo, as ações conduzidas, de formas preventivas, como o cercamento, por exemplo, que evita a retirada de madeira e a entrada de animais de criação. São ações importantes porque mostram que se está no caminho certo. E mostram também que essas áreas possuem recursos. Um animal do tipo cachorro-vinagre precisa de uma cadeia de sobrevivência, como acesso a boa fonte de água e alimentos. É necessária essa conectividade que um corredor ecológico favorece.
Embora a natureza seja mais complexa e vasta, geralmente os olhares turísticos, leigos e curiosos voltam-se na maioria das vezes para animais que impõem respeito pelo tamanho ou pelo exotismo. E poucos animais ganham dos felinos nesse sentido.
O Cerrado possui seus felinos mais conhecidos. De forma variada habitam o bioma, felinos como onças pintada e parda, jaguatirica, gato-mourisco gato-do-mato, gato-maracajá e gato-palheiro. A existência desses animais é indicativo do bom manejo, pois eles dependem de boas condições naturais para sobreviver.
Em termos de tamanho, é difícil sobrepujar a anta, considerada o maior mamífero terrestre brasileiro. É um animal que apresenta em média 300 kg. É um exemplo da diversidade que o bioma Cerrado traz.
Mais fácil – ou menos difíceis, dependendo da maneira como se enxerga o mundo – de serem vistas e apreciadas, as aves também fornecem seu espetáculo visual e cumprem seu papel no equilíbrio do bioma.
Elas compõem com muitas cores o cenário do Cerrado. São carcarás, tucanos, araras, maritacas, seriemas, joões-de-barro, periquitos e araras-azuis. Dentre as espécies, merece destaque o pato mergulhão, uma das aves mais ameaçadas das Américas e uma das mais raras do mundo.
Pensar em aves é pensar na importância que possuem para o equilíbrio em biomas. No Cerrado são fundamentais para dispersão de sementes de uma infinidade de espécies vegetais. Também para a polinização, aves – principalmente os ‘passarinhos’ – são essenciais. Obviamente que se a população de aves entrar em declínio, isso terá reflexos diretos nessa tarefa de polinização e muitas espécies vegetais também passarão a ter suas populações reduzidas.
E se o visual de cupinzeiros e formigueiros impressiona, há que se pensar no controle dessas populações. Além de animais maiores como o tamanduá, são as aves que desempenham também um papel no controle desses insetos, além de outros, obviamente.
Não se pode esquecer que no Cerrado estimam-se existir pelo menos 90 mil espécies de insetos.
Os sons do Cerrado
Bico de pimenta, canário da terra, tiziu, rolinha-caldo-de-feijão. Os nomes podem causar estranhamento, mas quem adentra o mundo do Cerrado certamente irá ouvi-los em algum momento. São algumas das aves que entoam uma sinfonia abrangente na forma e, se é possível afirmar desse modo, na cor sonora do bioma.
É um exercício de sentidos. Fechar os olhos e deixar-se levar pela sonoridade do espaço. Insetos, aves, anfíbios. Coaxares, zunidos, trinados. É uma vida pulsante em sons.
É o maxalagá escondido no capim alto. É o sanã de cara ruiva protegendo o ninho, ou o joão-de-barro convidando a fêmea para um acasalamento, ou mesmo o japacanim mirando o próximo alvo. Se o sabiá-laranjeira reivindica para si o posto de melhor cantoria, a graúna busca afastar o preconceito do mau agouro.
O tucano-toco e o bugio são também animais com sons peculiares. O bugio é um macaco que possui um dos gritos mais altos do reino animal, podendo ter alcance de cinco quilômetros de distância. Tudo isso por causa de um ossinho denominado hioide, que fica na base da sua língua, tornando a boca desse animal um verdadeiro alto-falante.
Não é um exagero então afirmar que o Cerrado é um arquivo vivo e dinâmico de cores, sabores, sons, espessuras, cantos e relevos. Quando anoitece, sobressaem o estridente cricrilar de grilos e cigarras, os zunidos de outros insetos, o coaxo de sapos e pererecas, além do canto de aves noturnas. E, se houver sorte, quem sabe o rugido longínquo de uma onça.
Essa mistura de estalos, silvos, trinados, urros, guinchos e outros sons produzidos pelos seres do Cerrado não estão ali à toa. É o que os pesquisadores ressaltam. Os sons podem revelar fenômenos ocultos. Um exemplo: a alteração na tonalidade do canto de pássaros pode indicar alguma perturbação no ambiente. Além disso, em alguns casos, o registro sonoro de um ambiente facilita a identificação de espécies em risco de extinção.
Urubu-rei (Sarcoramphus papa, Cathartidae), imponente saprófaga encontrada em diversas regiões das Américas, conhecida por sua envergadura e habilidades de voo. Com sua plumagem negra e cabeça vermelha característica, desempenha um importante papel no ecossistema, sendo responsável pela limpeza de carcaças, contribuindo para a manutenção da saúde ambiental.
Urubu-de-cabeça-preta (Coragyps atratus, Cathartidae), com sua plumagem negra e a distintiva cabeça preta sem penas. Ave saprófaga, alimenta-se de carcaças e por sua dieta especializada, desempenha um papel crucial no ciclo de decomposição e na saúde dos ecossistemas.
Considerado um símbolo do Cerrado, o lobo-guará também emite sons peculiares. Sua vocalização é utilizada na comunicação entre casais e na interação com filhotes e jovens. São diversos tipos de chamados e sons. Ao anoitecer, seu grunhido gutural pode ser ouvido a longas distâncias. É um aviso que alerta outros lobos-guarás de sua presença.
São muitos e diversos os sons que surgem na paisagem. Identificá-los é tarefa para especialistas. Admirá-los não. Senti-los é vivenciar uma plenitude que o Cerrado traz. Não à toa, há um movimento de músicos pesquisadores para incorporar o som que o Cerrado oferece em suas próprias composições. É o entendimento puro e simples que a harmonia natural trazida pela fauna desse bioma é por si só um manancial de inspiração não só científica, mas artística também.
Arara-canindé (Ara ararauna, Psittacidae), ave de porte grande, conhecida por sua plumagem vibrante, que combina tons de amarelo, azul e verde. Com seu bico poderoso e vocalização marcante, é um símbolo da fauna brasileira, habitando principalmente florestas tropicais. Sua presença colorida e socialização em bandos tornam essa espécie uma verdadeira maravilha da natureza.
Urubu da cabeça vermelha (Cathartes aura, Cathatridae), ave de rapina saprófaga, caracterizada por sua cabeça nua e avermelhada. Com sua envergadura impressionante e habilidades de voo, desempenha um papel crucial na cadeia alimentar. Ele atua como um eficiente “faxineiro”, ajudando a remover restos animais e contribuindo para a reciclagem de nutrientes. Sua adaptação única de localizar fontes de alimento a longas distâncias torna-o um valioso participante na natureza.
Anu-preto (Crotophaga ani, Cuculidae), ave com plumagem negra e brilhante e um bico longo e curvado. Com seu comportamento social e vocalizações características, forma grandes grupos, cooperando na defesa do território e na busca por alimentos. Além disso, essa espécie exerce um papel importante no controle de pragas, alimentando-se de insetos e pequenos vertebrados, o que o torna um aliado valioso para a agricultura e a saúde dos ecossistemas locais.
Carcará (Caracara plancus, Falconidae), também conhecido como caracara-de-cabeça-amarela, ave de rapina, caracterizada por sua cabeça amarela e plumagem preta. Com seu porte médio e comportamento oportunista, tem alimentação diversificada, que inclui desde carniça e pequenos vertebrados até frutas e insetos. A espécie é reconhecida por sua natureza curiosa e adaptável, capaz de viver em diferentes habitats, desde florestas e savanas até áreas urbanas. O carcará desempenha um papel importante no equilíbrio ecológico, contribuindo para o controle populacional de algumas espécies e desempenhando seu papel como predador na cadeia alimentar.
Pomba-rolinha (Columbina sp), pequena ave pertencente à família Columbidae, conhecida por sua aparência delicada e comportamento tranquilo. Com sua plumagem suave e coloração geralmente em tons de marrom e cinza, é reconhecida por seu voo rápido e agilidade no solo, além de seu chamado suave e melodioso. Com hábitos principalmente granívoros, a pomba-rolinha se alimenta de grãos e sementes encontrados no solo, contribuindo para sua dispersão. Desempenha papel importante na regeneração das plantas.
Coruja (Athene cunicularia, Strigidae), também conhecida como coruja-buraqueira, ave de rapina de tamanho médio. Caracterizada por olhos grandes, plumagem acinzentada e pernas curtas. É adaptada à vida em ambientes abertos, como campos, pradarias e pastagens. Essa espécie é conhecida por suas habilidades na caça, alimentando-se principalmente de pequenos roedores e insetos. Além disso, é notável por sua capacidade de escavar e utilizar tocas abandonadas, como buracos de tatus, para se abrigar e criar seus filhotes. Com seu voo silencioso e noturno, desempenha um papel importante no controle populacional de pragas.
Periquitão-maracanã (Psittacara leucophthalmus, Psittacidae) é uma espécie de papagaio de médio porte. Com sua plumagem verde, manchas vermelhas nas asas e uma faixa vermelha na testa. Olhos amarelos e bico robusto. Esses periquitões são conhecidos por serem pássaros sociais, formando bandos barulhentos e comunicativos. Se alimentam principalmente de sementes, frutas e néctar. Hábil na imitação de sons e vocalizações.
Papagaio-galego (Alipiopsitta xanthops, Psittacidae), também conhecido como papagaio-de-cara-roxa. Com sua plumagem predominantemente verde e uma característica distintiva - uma mancha roxa na área facial e uma faixa amarela brilhante na base do bico. Esses papagaios são animais sociais e geralmente são encontrados em grupos barulhentos, sendo capazes de vocalizar uma variedade de sons, incluindo assobios e chamados distintivos. O papagaio-galego se alimenta principalmente de frutas, sementes e nozes encontradas na vegetação local.
A siriema, (Cariama cristata, Cariamidae), ave de porte médio, tem plumagem marrom-acinzentada, pernas longas e um topete característico em sua cabeça. Essas aves são conhecidas por sua vocalização única, que consiste em um chamado alto e estridente, semelhante ao seu nome “si-ri-e-ma”. Ave terrestre e, embora seja capaz de voar, prefere correr pelo chão em busca de sua dieta, que inclui insetos, pequenos vertebrados e até mesmo frutas. A siriema também é reconhecida por seu comportamento territorial e por seus rituais de corte durante a reprodução. Por sua presença e vocalização marcante, é considerada um símbolo da fauna brasileira.
Quero-quero (Vanellus chilensis, Charadriidae), ave de porte médio. Com sua plumagem cinza, cabeça e pescoço pretos, bico longo e fino. Suas asas têm padrões distintivos de preto e branco, visíveis durante o voo. Conhecidas por seu chamado característico, que se assemelha ao seu nome “quero-quero”, são territorialistas e altamente protetoras de seus ninhos e territórios. Muitas vezes emitem vocalizações agressivas para afastar intrusos. Se alimenta principalmente de insetos, minhocas e pequenos animais. É conhecido pelo comportamento defensivo, capaz de simular uma lesão para distrair potenciais predadores e proteger seus ninhos.
Irré (Myiarchus swainsoni), também conhecido como bem-te-vi-de-cabeça-cinza, é uma ave da família Tyrannidae. Com sua plumagem marrom-oliva e cabeça cinza, seus olhos amarelos e cauda longa são características distintivas. Emite um chamado característico de “irré”, que lhe rendeu o nome popular. Se alimentam principalmente de insetos, frutas e néctar. É conhecido por sua vocalização melódica e por sua habilidade de sintonizar o tom e o ritmo de seus cantos com outros indivíduos da mesma espécie, criando um efeito harmônico notável.
Tesoura (Gubernetes yetapa), ave da família Tyrannidae. Com sua plumagem marrom, a tesoura tem uma característica distintiva - sua cauda bifurcada. Essas aves são conhecidas por seus voos acrobáticos, em que balançam sua cauda para cima e para baixo durante o voo, criando um efeito de tesoura em movimento. Sua dieta é principalmente composta por insetos, os quais capturam no ar com suas ágeis manobras de voo. Com sua vocalização distinta, emite chamados agudos e estridentes.
Maria-faceira (Syrigma sibilatrix), ave da família Ardeidae encontrada em diversas regiões da América do Sul. Com sua plumagem branca, pescoço longo e pernas esbeltas, adaptadas para se movimentar nas áreas alagadas onde geralmente é encontrada. Essas aves são conhecidas por suas vocalizações peculiares, que incluem assobios e sibilos, daí seu epíteto “sibilatrix”. É ave piscívora, alimentando-se principalmente de peixes, além de crustáceos e outros pequenos vertebrados aquáticos. Na época de reprodução, constrói seus ninhos em árvores próximas à água.
Curicaca (Theristicus caudatus), ave da família Threskiornithidae. Com sua plumagem cinza e um bico longo e curvo, cauda longa e uma crista na parte de trás da cabeça. Alimentam-se principalmente de insetos, pequenos vertebrados, como roedores, e até mesmo de carcaças. A curicaca é conhecida por seu comportamento gregário, formando grupos grandes quando se alimenta ou durante a época de reprodução. Constroem ninhos em árvores ou arbustos e põem ovos de cor esverdeada. Seu chamado característico é um som alto e estridente, muitas vezes emitido em coro, por várias aves ao mesmo tempo.
Gralha (Cyanocorax cristatellus), tem plumagem negra, brilhante e crista característica. Voo ágil, canto melodioso e bico afiado que utiliza para se alimentar de frutas e insetos. Consideradas onívora, em seu cardápio, incluem-se frutas, sementes, insetos, pequenos vertebrados e até mesmo ovos de outras aves, o que contribui para sua adaptabilidade e sucesso como espécie.
Anu-branco (Guira guira), ave de tamanho médio, conhecida por seu comportamento sociável e vocalização característica. Plumagem branca com detalhes em preto. Essas aves vivem em grupos e constroem ninhos coletivos, nos quais várias fêmeas depositam seus ovos. O Anu-branco se alimenta de insetos, frutas e pequenos vertebrados, e sua presença é frequentemente associada a áreas abertas, como campos e pastagens.
Pássaro-preto (Gnorimopsar chopi), tem plumagem predominantemente negra, com raras penas brancas no peito. Conhecido por seu canto melódico e complexo. Alimenta-se principalmente de frutas, insetos e pequenos animais. Sua presença é comum em áreas arborizadas e em campos abertos, onde pode ser visto em bandos, buscando alimento e socializando-se.
Ema (Rhea americana), ave nativa conhecida por sua imponente estatura e capacidade de corrida. Com altura média de 1,5 a 2 metros, é a maior ave do continente. Sua plumagem é marrom acinzentada, com penas macias que cobrem todo o corpo. A Ema é uma ave não voadora, mas compensa isso com sua velocidade, podendo correr até 60 km/h. Alimenta-se principalmente de plantas, frutas, insetos e pequenos animais. São aves solitárias ou vivem em pequenos grupos, e são conhecidas por sua postura de incubação compartilhada, na qual o macho assume o cuidado dos ovos e dos filhotes recém-nascidos.
João-de-barro (Furnarius rufus), ave pequena e típica do Brasil. Conhecido por sua habilidade em construir ninhos em formato de forno, feitos de barro e palha. Sua plumagem é marrom, tem uma pequena crista na cabeça. Aves territorialistas, vivem em casais monogâmicos, trabalhando em conjunto para construir e manter seus ninhos. Alimentam-se principalmente de insetos, como formigas e cupins. O canto do João-de-barro é característico e pode ser ouvido ao longo do dia. Sua presença é comum em áreas arborizadas e próximas a fontes de água. O João-de-barro é considerado um símbolo da engenhosidade e persistência da fauna brasileira.
Biguá (Phalacrocorax brasilianus), ave aquática encontrada nas regiões costeiras e de água doce da América do Sul. Conhecido também como Corvo-marinho, tem uma plumagem escura e brilhante, com um corpo e pescoço longos. Adaptado à vida aquática, o Biguá tem habilidades de mergulho impressionantes e é capaz de permanecer submerso por longos períodos, enquanto busca por peixes, crustáceos e outros organismos aquáticos, que compõem sua dieta. Essas aves são avistadas solitárias ou em grandes grupos nas margens de rios, lagos e oceanos, onde se destacam pela sua elegância e destreza na água.
A Garça-branca (Ardea alba), ave de grande porte encontrada em várias partes do mundo, incluindo a América do Sul. Com sua plumagem branca e longas pernas, se destaca nas paisagens aquáticas. As garças-brancas são aves pernaltas que habitam principalmente áreas úmidas, como lagos, pântanos e margens de rios. Sua alimentação é composta principalmente por peixes, anfíbios, répteis e pequenos invertebrados aquáticos. Elas são conhecidas por sua postura elegante e por sua habilidade de permanecer imóveis por longos períodos, à espera de sua presa.
Cagaita (Eugenia dysenterica)
Em espanhol Cerrado significa fechado. Se o sentido foi de ser difícil de caminhar por densas vegetações, talvez não seja o caso do bioma Cerrado. Esse espaço territorial, que se espalha por 12 estados e mais o Distrito Federal, é repleto de veredas, caminhos. Nele, a complexidade harmônica entre os seres que o habitam garantem um sentido completo à palavra biodiversidade.
Em 1988, o pesquisador Norman Myers criou o conceito de Hotspots de Biodiversidade. Abrangeriam regiões naturais do planeta com grande diversidade biológica e relevante endemismo de espécies. Ao mesmo tempo seriam as áreas mais degradadas e ameaçadas no mundo. Foram listadas, como hotspots, 25 regiões dos cinco continentes, entre elas os Biomas brasileiros da Mata Atlântica e do Cerrado. Destacava-se o Cerrado por sua grandiosa diversidade, mas também por seu índice alarmante de devastação.
É uma biodiversidade tão rica que o mais correto seria pluralizar a palavra. Em vez de Cerrado, no singular, ‘Cerrados’, no plural. Faria mais justiça à ampla variedade de ecossistemas ali existentes.
É um universo particular que se harmoniza e se complementa. Se a lobeira e o animal símbolo do Cerrado precisam um do outro para sobreviverem, o mesmo ocorre com outras espécies de plantas e animais. O equilíbrio é o que faz do Cerrado um ambiente tão peculiar e generoso aos que dele dependem o viver.
As águas, que descem dos planaltos, escavam caminhos nas rochas, esculpindo lentamente novas formas antes de penetrarem fundo nos aquíferos subterrâneos, são procuradas incessantemente por raízes profundas de árvores que formam um ‘complexo florestal de ponta-cabeça’. Tudo se conecta, como o buritizeiro e as comunidades tradicionais extrativistas que da árvore aproveitam um todo ofertado pela natureza.
A troca de estações é uma prova viva e pulsante desse equilíbrio. Em tempo seco, flores colorem o espaço, enquanto árvores abandonam folhas, economizando energias para que os frutos surjam fortes e suculentos quando as chuvas voltarem a regar o Cerrado.
Insetos e passarinhos agradecem a oferta. Depois, outros animais se refestelarão do banquete, atentos, no entanto, à presença de predadores. Cada um necessário para a manutenção do equilíbrio entre vida-morte-regeneração. No velho clichê da natureza, nada se perde e tudo se transforma.
Um fogo a controlar
A visão aérea noturna é até enganadora. Linhas vermelhas que se estendem luminosas possuem certa beleza observadas dessa forma. Mas é um falso brilhante. A terra, na verdade, está em chamas, sufocando fauna e flora, criando extensões quilométricas de fumaça e fogo que, sentidas assim de perto, nada possuem de belas.
Os ventos mudam a direção de chamas, como se elas tivessem vida própria. Em questão de segundos, um ser vivo pode estar totalmente cercado por elas. São momentos assustadores. E têm sido cada vez mais comuns, mais intensos e, em muitos casos, mais criminosos.
Incêndios naturais sempre fizeram parte de biomas como o Cerrado. Até possuem sua função na regeneração do solo. Mas a ação humana, que institutos de pesquisa apontam como responsáveis por aproximadamente 90% desses incêndios nos tempos atuais, desequilibra esse movimento natural e afeta espécies animais e vegetais de forma muito mais agressiva que antes.
Estiagem e a presença de ventos são algumas causas dos incêndios florestais e queimadas. Agosto e setembro, período em que as chuvas diminuem, há territórios englobados pelo bioma Cerrado, como em Paracatu, em que os incêndios se tornaram mais acentuados, mas sem minimizar a ação humana nessas ocorrências.
Há, no entanto, movimentos para controlar essa situação. Atuando há três décadas, a Brigada de Emergência da Kinross conta com mais de uma centena de empregados (as) que atuam como brigadistas voluntários (as). Os (as) profissionais são treinados (as) em combate a incêndios, primeiros socorros, emergências químicas e tecnológicas e resgate a vítimas, segundo a Instrução Técnica 12 do Corpo de Bombeiros de Minas Gerais (CBMG).
Não é só atuar depois do ocorrido. A Brigada integra um plano de prevenção e contenção de incêndios e queimadas desenvolvido pela Kinross, contemplando também a abertura de aceiros (desbastes ou limpeza em faixas) nos limites das reservas legais da empresa que são próximas às áreas rural e urbana do município, cuja função é prevenir o alastramento do fogo durante as ocorrências, facilitando o combate e diminuindo os danos ambientais.
São ações que podem minimizar tragédias ambientais. E evitar imagens de corpos carbonizados de animais em uma paisagem que, antes de tudo, representa vida.
Olhar para o bioma Cerrado é, de muitas maneiras, observar um passado construído e reconstruído pela natureza em seu curso natural. Mas há um futuro sendo pensado na área do Parque Estadual de Paracatu.
Inserido nesse bioma, o Parque, como se sabe, foi criado para preservar as tipologias que existem na região e garantir os recursos hídricos necessários ao abastecimento de água da cidade.
Além disso, se propõe a assegurar a conservação da biodiversidade local, criando corredores ecológicos e refúgio para a fauna local, dada a acentuada fragmentação da paisagem na região.
O parque possui esse nome como homenagem ao principal rio do município, o Paracatu, que dá nome à cidade e está ligado à bacia do São Francisco.
É um local ainda não de todo aberto à população em geral, mas se pretende assim no futuro. Afinal, isso faz parte de objetivos sociais das unidades de conservação. Defende-se a ideia de que essas unidades podem e devem ser focadas na geração de emprego e renda advindas do turismo, uma atividade-fim de muitas unidades de conservação de proteção integral. Leva-se em conta ainda os empregos relacionados às atividades de proteção, como a contratação de brigadistas e guarda-parques nas comunidades locais, além de profissionais especializados em fauna, flora etc.
Mas é um caminho que precisa ser trilhado sem demora. O padrão de ocupação do Cerrado tem transformado as Unidades de Conservação, como o Parque Estadual do Paracatu, por exemplo, em locais onde a vegetação nativa está sendo mantida em fragmentos isolados. Esse é um dos grandes desafios para a conservação e manejo da biodiversidade no presente e futuro.
É uma história que está sendo construída. Por meio de compensação ambiental, o empreendimento doou ao Estado uma extensa área (pouco mais de 6.000 hectares). O objetivo dessa ação foi de promover a regularização fundiária e criar estruturas para que o Parque Estadual de Paracatu seja aberto à população. O Parque contribui para a sustentabilidade local, fomentando o turismo.
Atrações não faltam. Foram identificados ao longo do Parque e de seu entorno os atrativos potenciais, considerados capazes de atrair a visitação. Há desde os elementos naturais de uma fauna, flora e paisagens ricas visualmente, como na própria cultura humana local.
É claro que para isso ocorrer há a necessidade de elementos estruturais, como bom acesso físico e outros serviços que produzam a motivação como um produto turístico. Esse é um caminho natural a ser seguido.
Mas, para além dessa vocação social, o que se espera é que cada vez mais as armadilhas fotográficas registrem imagens como a que trouxe o espanto da equipe da Kinross, ao ver a ‘família’ de cachorros-vinagre atravessando em tranquilidade e segurança uma das trilhas da Reserva São Domingos. Aqueles animais, quase extintos, recriaram sua própria existência.
É disso que é feita a essência do Cerrado. Resiliência.
Veado-catingueiro (Mazama gouazoubira), é um mamífero da família Cervidae encontrado na América do Sul, incluindo regiões do Brasil, Paraguai, Argentina e Uruguai. Também conhecido como Veado-mateiro, ele é adaptado para viver em diferentes tipos de habitats, incluindo cerrados, caatingas, campos e florestas.
Com seu porte médio e pelagem marrom-avermelhada, o Veado-catingueiro possui características distintivas, como orelhas grandes e pelos brancos nas partes inferiores da cauda. Os machos possuem galhadas, que são ramificações ósseas que crescem na cabeça.
Esses veados são herbívoros e se alimentam principalmente de folhas, brotos, frutas e ervas. São animais tímidos e preferem se mover no início da manhã e no final da tarde, buscando abrigo durante o dia. São solitários ou vivem em pequenos grupos familiares.
O Veado-catingueiro desempenha um papel importante no ecossistema, contribuindo para a dispersão de sementes e o equilíbrio populacional de suas presas. No entanto, enfrenta desafios como a perda de habitat e a caça ilegal, o que requer esforços de conservação para proteger essa espécie e garantir sua sobrevivência a longo prazo.
Veado-campeiro (Ozotoceros bezoarticus), é uma espécie de veado nativo da América do Sul, especialmente encontrada na região do Cone Sul, incluindo Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. Também conhecido como Veado-mão-curta, ele é adaptado para viver em áreas abertas, como campos, savanas e pastagens.
Com sua pelagem marrom-avermelhada e corpo esbelto, o Veado-campeiro possui pernas longas e finas. Os machos têm galhadas ramificadas, enquanto as fêmeas não possuem chifres. São animais diurnos e herbívoros, alimentando-se principalmente de gramíneas, folhas, brotos e frutas.
Os Veado-campeiros são socialmente organizados, vivendo em grupos chamados de haréns. Cada harém consiste em um macho dominante, várias fêmeas adultas e seus filhotes. Essa estrutura social contribui para a proteção e cuidado dos membros do grupo.
Infelizmente, o Veado-campeiro enfrenta ameaças significativas, como a perda de habitat devido à caça predatória e à fragmentação de suas populações. Esforços de conservação são necessários para proteger essa espécie, incluindo a criação de áreas protegidas, o controle da caça ilegal e o manejo adequado de habitats. A preservação do Veado-campeiro é fundamental para a manutenção da biodiversidade e do equilíbrio dos ecossistemas em que habita.
As aranhas sociais são um grupo fascinante de aracnídeos que exibem comportamento cooperativo e social, diferentemente da maioria das outras aranhas, que são solitárias. Essas aranhas vivem em colônias, onde trabalham juntas para caçar, construir teias e cuidar das crias.
Uma das espécies mais conhecidas de aranhas sociais é a Aranha-social-da-vela (Anelosimus eximius), encontrada em regiões tropicais da América do Sul. Essas aranhas constroem grandes teias coletivas em árvores e arbustos, formando verdadeiras colônias com milhares de indivíduos. Elas cooperam para capturar presas, compartilhar alimento e cuidar das crias.
Outro exemplo é a Aranha-social-de-funil (Stegodyphus spp.), encontrada em regiões da África e da Ásia. Essas aranhas constroem teias em formato de funil, onde vivem em grandes grupos familiares. Elas caçam em conjunto e cooperam na construção e manutenção da teia.
A vida em sociedade oferece benefícios para essas aranhas, como a capacidade de capturar presas maiores e se proteger de predadores. No entanto, também existem desafios, como a competição por recursos e a necessidade de equilibrar a cooperação com a reprodução individual.
O estudo das aranhas sociais contribui para a compreensão da evolução do comportamento social e das dinâmicas das sociedades animais. Essas aranhas oferecem um fascinante vislumbre de como diferentes espécies podem adotar estratégias de vida colaborativas e complexas.
Gambá-da-orelha-branca (Didelphis albiventris), é uma espécie de marsupial encontrada em várias regiões da América do Sul, incluindo o Brasil. É um dos maiores representantes do gênero Didelphis.
Caracterizado por sua pelagem cinza-acinzentada e orelhas brancas distintivas, o gambá-da-orelha-branca possui um corpo alongado e uma cauda preênsil que pode ser usada para se agarrar em galhos e se equilibrar enquanto se movimenta nas árvores.
Esses animais são noturnos e têm uma dieta onívora, alimentando-se de frutas, insetos, pequenos vertebrados e até mesmo carniça. São adaptáveis a diferentes habitats, incluindo florestas, cerrados e áreas urbanas.
Como marsupiais, as fêmeas têm uma bolsa onde carregam e amamentam seus filhotes. O gambá-da-orelha-branca é conhecido por sua capacidade de reprodução rápida e alta taxa de sobrevivência de suas crias.
Abelha-jataí (Tetragonisca angustula), é uma pequena abelha nativa da América Latina, incluindo o Brasil. Também conhecida como “jataí”, ela é uma espécie de abelha sem ferrão, pertencente à tribo Meliponini.
As abelhas-jataí são conhecidas por sua organização social e por viverem em colônias de tamanho médio. Elas constroem seus ninhos em ocos de árvores, em paredes ou em estruturas feitas por elas mesmas, como os famosos “cachos” de jataí. Essas abelhas têm a habilidade de coletar resinas e ceras naturais para construir suas colmeias.
Uma característica notável das abelhas-jataí é a produção de mel. Embora em menor quantidade em comparação com outras espécies de abelhas, o mel produzido por elas é valorizado por seu sabor e propriedades medicinais.
Essas abelhas desempenham um papel importante na polinização de plantas nativas e contribuem para a manutenção da biodiversidade em seus habitats. Além disso, são menos agressivas em comparação com as abelhas com ferrão e raramente representam uma ameaça para os seres humanos.
Sapo cururu (Rhinella marina), é uma espécie de sapo pertencente à família Bufonidae. É um dos maiores sapos encontrados na América do Sul, e também é conhecido como sapo-boi ou sapo-caneleiro.
Com sua pele rugosa e verrugosa, o sapo cururu possui uma coloração variável, podendo ser marrom, verde ou cinza, com manchas escuras. Ele possui glândulas parotoides, que secretam uma substância tóxica quando o sapo se sente ameaçado. Essa substância é conhecida por ser venenosa para predadores.
O sapo cururu é uma espécie adaptada para viver em diferentes ambientes, incluindo florestas tropicais, cerrados e áreas urbanas. Ele é noturno e se alimenta de uma variedade de presas, como insetos, aranhas, pequenos vertebrados e até mesmo outros anfíbios.
Durante o período de reprodução, os machos emitem um chamado alto e característico para atrair as fêmeas. As fêmeas colocam seus ovos em massa na água, que eclodem em girinos que passam por metamorfose até se tornarem sapos adultos.
Tatu-peba (Euphractus sexcinctus), é um mamífero da ordem dos xenartros, conhecido popularmente como tatu-de-rabo. Ele é encontrado em várias regiões da América do Sul, incluindo o Brasil.
Caracterizado por sua carapaça dura composta por placas ósseas e seu corpo coberto por pelos grossos, o tatu-peba possui um tamanho médio, chegando a medir cerca de 70 centímetros de comprimento. Sua coloração varia de marrom a cinza, com manchas claras nas laterais do corpo.
O tatu-peba é um animal escavador habilidoso, utilizando suas garras poderosas para cavar tocas e se proteger de predadores. Alimenta-se principalmente de insetos, como formigas e cupins, além de frutas, raízes e pequenos vertebrados.
Ele é um animal solitário e noturno, saindo de suas tocas durante a noite em busca de alimento. Apesar de seu porte e aparência robusta, o tatu-peba é bastante ágil e rápido em suas movimentações.
Desempenha um papel importante no ecossistema, contribuindo para o controle populacional de insetos e também na dispersão de sementes. No entanto, a destruição do habitat e a caça têm ameaçado suas populações em algumas regiões.
Mico-soinho (Callithrix sp), é um grupo de primatas pertencentes ao gênero Callithrix, que inclui várias espécies de pequenos primatas encontrados na América do Sul, especialmente no Brasil. São conhecidos por sua pelagem densa e colorida, sendo o mico-leão-dourado (Callithrix auratus) um dos mais conhecidos.
Os micos-soinhos são primatas de porte pequeno, com corpos ágeis e caudas longas e peludas. Possuem uma dieta variada, alimentando-se principalmente de frutas, néctar, insetos e pequenos vertebrados. São animais diurnos e arborícolas, passando a maior parte de seu tempo nas copas das árvores.
Esses primatas têm um sistema social complexo, vivendo em grupos familiares cooperativos. São animais altamente territoriais e comunicam-se por meio de vocalizações e posturas corporais específicas.
Infelizmente, muitas espécies de mico-soinho estão ameaçadas de extinção devido à perda de habitat, fragmentação florestal e caça ilegal. Programas de conservação e proteção são essenciais para garantir a sobrevivência dessas espécies e manter a diversidade da fauna brasileira.
Anta (Tapirus terrestris), é o maior mamífero terrestre da América do Sul e pertence à família Tapiridae. Também conhecida como tapir ou anta-brasileira, ela é encontrada em diferentes habitats, como florestas tropicais, savanas e áreas pantanosas.
A anta tem um corpo robusto, coberto por uma pele espessa e densa, de cor escura. Ela possui um focinho alongado e flexível, semelhante a uma tromba curta. Suas patas são fortes e adaptadas para caminhar em terrenos diversos e nadar em rios e lagos.
Esses animais são herbívoros, alimentando-se principalmente de folhas, brotos, frutas e outros materiais vegetais. Sua dieta desempenha um papel importante na dispersão de sementes e no equilíbrio das florestas onde habitam.
As antas são animais solitários e tímidos, preferindo atividades noturnas ou crepusculares para se movimentar e se alimentar. Elas têm uma excelente capacidade de natação e podem permanecer submersas por longos períodos de tempo.
Infelizmente, as antas estão ameaçadas devido à caça ilegal, perda de habitat e fragmentação de populações. A preservação desses animais é crucial para a manutenção da biodiversidade e dos ecossistemas em que vivem.
Lagarto-teiú (Tupinambis sp), pertence ao gênero Tupinambis e engloba várias espécies de lagartos encontrados na América do Sul. São répteis de porte médio a grande, conhecidos por sua aparência robusta e escamas coloridas.
Os lagartos-teiús têm corpos alongados e patas fortes, permitindo-lhes movimentar-se rapidamente tanto em terra quanto em árvores. Sua coloração varia de acordo com a espécie, podendo ser marrom, cinza ou verde, com padrões distintos de manchas ou faixas.
Esses lagartos são onívoros, alimentando-se de uma variedade de presas, incluindo insetos, frutas, ovos, pequenos vertebrados e até mesmo carniça. Eles são caçadores ágeis e também podem escavar para encontrar alimento.
Capivara (Hydrochoerus hydrochaeris), é o maior roedor do mundo e é encontrada em grande parte da América do Sul, incluindo o Brasil. Com seu corpo grande e robusto, pernas curtas e uma cabeça arredondada, as capivaras são facilmente reconhecidas.
Esses animais são adaptados para viver em ambientes aquáticos, como rios, lagos e pântanos. Possuem patas palmadas que facilitam a natação e a locomoção em áreas alagadas. Sua pelagem é espessa e de cor marrom, com manchas mais claras nas laterais.
As capivaras são animais sociais e vivem em grupos conhecidos como “capivarais”. Esses grupos podem variar em tamanho, desde pequenos até grandes agregados de dezenas de indivíduos. A interação social desempenha um papel importante em sua vida cotidiana.
Esses roedores são herbívoros e se alimentam principalmente de vegetação aquática, gramíneas, folhas e cascas de árvores. São animais pacíficos e geralmente não representam ameaça aos humanos, mas é importante manter uma distância segura e respeitar sua natureza selvagem.
Lobo-guará (Chrysocyon brachyurus), é um canídeo de porte médio a grande, que é encontrado principalmente em áreas de cerrado e campos da América do Sul, com maior predominância no Brasil. É conhecido por sua aparência única, com pelagem avermelhada, pernas longas e uma cauda longa e espessa.
O lobo-guará é o maior canídeo da América do Sul e possui hábitos principalmente crepusculares e noturnos. É um animal solitário e territorial, com um comportamento social complexo quando em grupo. Sua dieta consiste principalmente de pequenos vertebrados, como roedores e aves, além de frutas e plantas.
O lobo-guará desempenha um papel importante nos ecossistemas em que habita, ajudando a regular as populações de presas e participando da dispersão de sementes. Sua presença é um indicador da saúde e diversidade dos ambientes naturais em que vive.
A importância do monitoramento de fauna
Nas áreas de preservação da fazenda Córrego Rico e na reserva São Domingos, equipe de monitoramento da Kinross mantém armadilhas fotográficas, chamada “câmera trap”. Essas câmeras são acionadas remotamente e equipadas com sensores de movimento, frequentemente infravermelhos. Seu propósito é capturar fotografias e vídeos de animais selvagens sem a presença humana. Ao longo de décadas, elas têm sido parceiras essenciais para os pesquisadores ambientais pela sua eficiência em detectar evidências de animais, espécies raras, estimar a diversidade presente na região e compreender o uso do habitat pelos animais.
Tatu-canastra (Priodontes maximus), é o maior dos tatus e um dos maiores mamíferos da América do Sul. Também conhecido como tatuaçu ou tatu-carreta, ele é encontrado em áreas de florestas tropicais e Cerrado, principalmente na região central do Brasil.
Caracterizado por seu tamanho imponente e corpo coberto por uma carapaça dura e escamosa, o tatu-canastra pode atingir mais de um metro de comprimento e pesar até 60 quilos. Sua coloração varia entre tons de marrom e preto.
O tatu-canastra é uma espécie solitária e noturna, passando a maior parte do tempo em busca de alimento. São animais lentos e cautelosos, capazes de se enterrar rapidamente no solo quando se sentem ameaçados.
Infelizmente, o tatu-canastra está ameaçado de extinção devido à perda de habitat, caça ilegal e atropelamentos em rodovias. Sua baixa taxa de reprodução e crescimento lento da população tornam a conservação dessa espécie ainda mais crucial.
Tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla), é um mamífero da família dos mirmecofagídeos e um dos animais mais emblemáticos da fauna brasileira. Também conhecido como tamanduá-açu, ele é encontrado principalmente em áreas de florestas tropicais e Cerrado na América do Sul.
O tamanduá-bandeira é reconhecido por seu corpo robusto, pelagem densa e longa, coloração preta com uma faixa branca que se estende pelo dorso. Seu focinho alongado e cilíndrico é adaptado para se alimentar de formigas e cupins, suas principais presas.
Esses animais possuem uma língua extensível e pegajosa, que pode atingir até 60 centímetros de comprimento, facilitando a captura das presas nos ninhos subterrâneos. Além disso, eles possuem garras longas e fortes, ideais para escavar e abrir os formigueiros.
O tamanduá-bandeira é um animal solitário e noturno, passando a maior parte do tempo em busca de alimento. Possui uma marcha lenta e característica, caminhando sobre as quatro patas e erguendo a cauda para cima.
Infelizmente, o tamanduá-bandeira está ameaçado de extinção devido à perda de habitat, caça ilegal e atropelamentos em rodovias. A destruição das florestas e a diminuição das populações de formigas e cupins também afetam sua sobrevivência.
Onça-parda ou suçuarana (Puma concolor), é um felino de grande porte que habita diversos habitats da América, desde florestas tropicais até regiões montanhosas e desertos. É um dos maiores felinos do continente e possui uma aparência elegante e atlética.
A onça-parda tem um corpo esguio, uma cabeça pequena e orelhas arredondadas. Sua pelagem varia em tons de marrom, cinza ou avermelhado, permitindo uma camuflagem eficaz em diferentes ambientes. Além disso, possuem uma longa cauda e patas poderosas.
Esses felinos são excelentes caçadores, alimentando-se de uma variedade de presas, como cervos, capivaras, roedores e aves. São animais solitários e noturnos, sendo habilidosos em se movimentar silenciosamente para se aproximar de suas presas.
A onça-parda é conhecida por sua agilidade e habilidade de saltar grandes distâncias. Ela possui uma capacidade de salto surpreendente, permitindo que alcancem alturas impressionantes e atravessem grandes extensões.
Apesar de ser um predador poderoso, a onça-parda é geralmente tímida e evita o contato com humanos. Ela desempenha um papel importante no ecossistema como reguladora de populações de presas e na manutenção do equilíbrio dos ecossistemas onde habita.
Cobra-cipó (Chironius sp.), é uma serpente que pertence ao gênero Chironius, encontrado em várias regiões da América do Sul, incluindo o Brasil. Essas serpentes são conhecidas por sua habilidade de se camuflarem entre os galhos e folhagens das árvores.
As cobras-cipó possuem corpos longos e finos, escamas lisas e uma cabeça estreita. Sua coloração varia entre tons de verde, marrom ou cinza, com padrões que ajudam na sua camuflagem. Essas características permitem que elas se misturem facilmente com o ambiente arbóreo.
Essas serpentes são não venenosas e se alimentam principalmente de pequenos vertebrados, como lagartos, pássaros e roedores. Elas são ágeis escaladoras e se movem de maneira elegante entre as árvores, usando sua musculatura e habilidades de deslocamento.
Cobra cascavel (Crotalus durissus), é uma serpente venenosa encontrada em diversas regiões das Américas do Norte, Central e do Sul, incluindo o Brasil. Ela é conhecida por sua cauda com um chocalho característico, composto por segmentos de queratina que produzem um som de alerta quando a serpente se sente ameaçada.
As cascavéis possuem corpos robustos, cabeça triangular e escamas em forma de losango. Sua coloração pode variar, mas geralmente apresentam tons de marrom, cinza ou verde, com manchas ou faixas escuras que proporcionam uma excelente camuflagem em seu ambiente.
Essas serpentes são predadoras e se alimentam principalmente de pequenos mamíferos, aves, répteis e anfíbios. Seu veneno é potente e é usado para imobilizar suas presas. As cascavéis possuem fossetas termossensoriais entre os olhos e as narinas, permitindo detectar o calor emitido pelas presas, auxiliando na caça.
Apesar de serem serpentes venenosas, as cascavéis são geralmente cautelosas e evitam o contato com humanos. Elas preferem se esconder ou se afastar quando se sentem ameaçadas, utilizando o chocalho da cauda como um aviso sonoro.
É importante lembrar que, se encontrada em seu habitat natural, a cobra cascavel deve ser observada à distância e com cautela. Ações de conservação, como a preservação de seu habitat e a conscientização sobre sua importância e comportamento, são essenciais para garantir a coexistência pacífica entre essas serpentes e os seres humanos.
Em caso de encontro com uma cobra cascavel, é recomendado manter a calma, afastar-se lentamente e procurar ajuda profissional especializada em remoção segura desses animais.
Pica-pau-de-banda-branca (Dryocopus lineatuss), é uma ave pertencente à família Picidae, encontrada em várias regiões da América do Sul, incluindo o Brasil. Ele é conhecido por sua aparência marcante, com penas pretas e brancas dispostas em padrões de bandas ao longo de seu corpo.
Esses pica-paus têm um tamanho médio a grande, com cerca de 30 centímetros de comprimento. Apresentam um bico longo, forte e afiado, adaptado para perfurar a madeira em busca de alimento. Eles são habilidosos em escalar troncos de árvores e tamborilar com o bico para se comunicar e marcar território.
O pica-pau-de-banda-branca é um pássaro onívoro, se alimentando principalmente de insetos, larvas, frutas e sementes. Sua habilidade em encontrar e extrair insetos da madeira faz dele um importante controlador de pragas e contribui para o equilíbrio dos ecossistemas florestais.
Essas aves são conhecidas por sua vocalização característica, que inclui sons de tambores e chamados distintos para comunicação. Além disso, durante a época de reprodução, os machos podem realizar exibições aéreas para atrair as fêmeas.
O pica-pau-de-banda-branca é uma espécie amplamente distribuída em diferentes habitats, desde florestas tropicais até áreas de savana e Cerrado.
Anu-branco (Guira guira), é uma ave encontrada em diversas regiões da América do Sul, incluindo o Brasil. Ele é conhecido por sua aparência peculiar, com penas predominantemente cinza-claras e uma cabeça distintiva com uma crista erétil.
Esses pássaros são sociáveis e vivem em grupos, formando bandos que podem incluir várias dezenas de indivíduos. Eles são conhecidos por sua natureza barulhenta e comunicativa, emitindo uma variedade de vocalizações, como assobios e chamados agudos.
O anu-branco tem uma dieta variada, alimentando-se principalmente de insetos, como gafanhotos e cupins, além de frutas e sementes. Eles são aves adaptáveis que podem se beneficiar de ambientes modificados pelo ser humano, como áreas urbanas e agrícolas.
Uma característica interessante do anu-branco é seu comportamento cooperativo durante a reprodução. Vários membros do grupo ajudam na construção do ninho, incubação dos ovos e cuidado dos filhotes. Isso cria uma dinâmica social única dentro da espécie.
Campainha-azul (Porphyrospiza caerulescens), ave passeriforme da família Thraupidae. Também conhecido como azulão-do-cerrado, azulinho-de-bico-de-ouro e cidrinho, é uma espécie típica do Cerrado. Essas aves habitam principalmente áreas abertas de gramíneas, arbustos e árvores baixas.
Infelizmente, o campainha-azul está próximo da ameaça de extinção devido à rápida conversão de áreas de Cerrado para atividades humanas. A destruição de seu habitat tem impactado negativamente sua população.
Urubu-rei (Sarcoramphus papa), ave de rapina encontrada em várias regiões da América Central e do Sul, incluindo o Brasil. Também conhecido como urubu-real, é um dos maiores abutres do continente.
Essas aves possuem uma aparência distinta, com uma plumagem preta e branca, cabeça calva e um pescoço longo e pelado. Seu bico é forte e curvo, adaptado para rasgar a carne de animais mortos.
O urubu-rei é uma espécie necrófaga, alimentando-se principalmente de carcaças de animais. Seu papel ecológico é crucial, pois contribui para a limpeza do ambiente, removendo os restos de animais em decomposição.
Essas aves são sociais e frequentemente são vistas em grupos, especialmente quando há uma fonte de alimento disponível. Eles têm um excelente senso de olfato e são capazes de localizar carcaças a grandes distâncias.
O urubu-rei desempenha um papel importante no ecossistema como um “faxineiro”, ajudando a evitar a disseminação de doenças ao remover rapidamente os animais mortos. Seu voo planado é impressionante, permitindo que eles percorram grandes distâncias em busca de alimento.
Nas atividades de monitoramento de fauna conduzidas pela Kinross, o cachorro-vinagre foi encontrado em uma das reservas ambientais, a reserva do São Domingos. Essa espécie possui grande relevância ecológica e está sujeita à extinção. Por isso, este registro destaca a importância da manutenção de áreas de vegetação nativa e corredores ecológicos. É necessário que esses ambientes permaneçam protegidos do acesso não planejado de pessoas e animais domésticos. Além disso, o registro do cachorro-vinagre também ressalta a relevância das reservas legais para a conservação da biodiversidade.
Referências bibliográficas
CMBio. 2018. Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção: Volume II – Mamíferos. 1. ed. Brasília: ICMBio/MMA.
Proença, C., Oliveira, R.S., Silva, A.P. Flores e frutos do Cerrado. Brasília: Rede de Sementes do Cerrado, 2006.
https://brasilescola.uol.com.br/biologia/cerrado-1.htm
https://brasil.mongabay.com/2021/08/cerrado-pode-entrar-em-colapso-em-30-anos/
https://www.invivo.fiocruz.br/biodiversidade/lobo-guara-um-solitario-no-cerrado/
https://www.nationalgeographicbrasil.com/animais/2020/04/especies-ameacadas-lobo-guara-cerrado-dia-da-terra
https://museucerrado.com.br/
https://www.ufrgs.br/faunadigitalrs/cachorro-vinagre-speothos-venaticus/
Wiki Aves - A Enciclopédia das Aves do Brasil
Colofão
TEMPLE COMUNICAÇÃO
Coordenação editorial
Mirtes Morbach
Projeto gráfico
Calazans Souza
Fotografia
Augusto Gomes
Edição de arte
Calazans Souza
Edição de imagens e tratamento
Augusto Gomes
Câmeras trap
Arquivo Kinross
Entrevistas
Mirtes Morbach
Ismael Machado
Texto
Ismael Machado
Revisão
Karlene Monteiro
Livro impresso
Fontes usadas
Família Garamond Premier Pro
Papel
Capas – Imune, 240 g/m2
Miolo – Imune, 150 g/m2
Formato
21,5 x 29 fechado
Gráfica
Pancrom Industria Grafica Ltda